Eu, eu, eu, tudo eu.

Ética à la carte.Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Essa parece ser a posição de Gilles Lipovetsky em sua análise da ética praticada pelas empresas, pela mídia e pelos chamados neoindividualistas, na pós-modernidade, em seu livro Metamorfoses da Cultura Liberal. Pragmático em suas afirmações – muitas delas endossadas por pesquisas - Lipovetsky constata, sem se escandalizar, que hoje a moral e a ética são flexíveis, relativas.

Dever X direito.No passado, fazia-se tudo por dever; no presente, faz-se por direito. Afastado do vergalho da antiga igreja punitiva, que impunha sacrifícios, e indiferente à ação do Estado não mais cobrador de nacionalismos, o homem pós-moderno tornou-se um “hiperindividualista” voltado para o seu bem-estar, com direito a opinião própria e devedor de obrigações apenas à sua consciência: “cada um se quer autônomo para construir livremente, à la carte, o seu ambiente pessoal”.

Medos de Narcisos. Há uma diferença, porém, em relação ao egocêntrico do século XX: o Narciso atual não é tão triunfante e apesar de não ter mais tanto medo de ir para o inferno ao morrer, teme ficar doente, posterga a morte sine die e odeia envelhecer, “ fragilizado por ter de carregar-se(…) sem os apoios que outrora eram construídos pelas normas sociais”.

Nova ideologia.Lipovetsky alerta para um paradoxo: ao mesmo tempo em que lambe o seu umbigo, o neoindividualista também tornou-se mais cidadão, mais voluntário, mais pluralista e mais consciente. Desapegado de ideologias outras a não ser um profundo senso de democracia entronizado, reconhece os impactos negativos da tecnologia sobre o meio ambiente e reclama - ainda que em organizações temporárias e numa “ética de urgência” - da ação irresponsável das empresas e da corrupção dos políticos, posicionando-se indignado contra a violência, a intolerância, o abuso de poder, o desrespeito às crianças e a transgressão dos direitos humanos. Flashes de cidadania, para depois voltar ao seu sofá, às suas vitaminas e ao seu livro de auto-ajuda.

O bem que lucra.Quando fala da nova ética nas empresas, Lipovetsky comprova um crescimento da responsabilidade social empresarial, não só para o mercado, mas para os próprios funcionários, embora detecte nisso apenas mais uma estratégia de marketing. É bom comercialmente para a imagem da empresa praticar o bem. De um lado, o consumidor consciente e o funcionário com orgulho corporativo, de outro, a empresa-cidadã, novos pares amorosos da pós-modernidade. Modismo, talvez – diz Lipovetsky – mas ainda assim positivo, porque transformador.

Mídia democratizante.Ao contrário de Baudrillard, que diaboliza a mídia, o autor até reconhece os deméritos do entretenimento sem vistas a educar, da padronização da aparência, da democracia de espetáculo, mas vê proveitos, também, entre eles o da mídia derrubar as tradições, as barreiras de classe, as morais rigoristas e as grandes ideologias, sacralizando o livre governo de cada um. Graças à mídia, que mostra a todos os vários pontos de vista sobre um mesmo fato, o homem pós-moderno - segundo ele - aprendeu a comparar, libertando-se do discurso monolítico de partidos políticos ou doutrinações, com tendências a votar muito mais em pessoas que em programas.

Em síntese, a única coisa que Lipovetsky reclama é esta: individualismo, OK, mas – silvuplê - responsável! Narciso que amadureça.
(Graça Craidy)


Metamorfoses da Cultura Liberal. Ética, mídia, empresa.
( Lipovetsky, Gilles ; trad.Juremir Machado) Porto Alegre:Sulina, 2004


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