O italiano insensível e meu nariz sensual.

Meu estado era lastimável. Fumante de longa data, aquele inverno úmido paulistano tinha me agarrado de jeito, anjo vingador do paraíso me perseguindo rua Manoel da Nóbrega afora: fuma agora, fuma, cadela!


E eu fumava. E quanto mais jogava fumaça pra dentro, menos oxigênio. E o resfriado virando gripe e a gripe virando bronquite e a bronquite, credo! E se virar coisa ruim. E se virar o que-diga, como diria Guimarães?

Até que, me arrastando feito alma penada, sem um pingo de maquiagem no rosto, pálida, fungando, febril, exaurida, entreguei os pontos e resolvi finalmente ir ao especialista mais temido e evitado pelos fumantes do mundo inteiro: o pneumologista.

Só ele poderia me dizer se meu caso era de corticóide, trimedal ou do abominado pneumotórax do poema de Bandeira.

A consulta era às 14 h, ali na avenida Brigadeiro Luiz Antônio, se não me engano. E eu aproveitei para almoçar num restaurantezinho italiano que havia na Manoel da Nóbrega com uma comidinha gostosa, misto de nouvelle com vechia cozinha.

A dona era uma italiana excêntrica vestida à moda hippie, loira, exuberante e comandanta dos pratos, panelas e também de um marido meio almofadinha que vivia por lá, sem muito ajudar, mais enfeitando o lugar, mesmo, com aquela cara de César, juro que até folhas de louro ele colocava atrás da orelha, às vezes, feito os imperadores da velha Roma.

Era cedo ainda. Entrei. Sentei. O restaurante estava vazio. Só uns poucos fregueses numa mesa e lá no balcão, o tal. Eu, por minha vez, era só um suspiro e uma fungada. Uma fungada e um suspiro. Quase nem conseguia abrir os olhos, o rosto congestionado. Isto é, feia. Muito. Jacu. Ogra. Bruxa total.

Pedi meu prato e mal e mal conseguia engolir a comida, quando o estroncho bonitão, decerto a me ver naquele estado lamentável, pensou com sua sensibilidade de maschio italiano baldoso que podia me ajudar.

- Tu non tá bene, oggi, non?

Fiz que não com a cabeça, nem palavra eu queria dizer.

Ele ficou quieto. Lá do balcão, me observou, me observou, me escrutinou, me mediu, me olhou de cima a baixo, de baixo a cima, de um lado, de outro. Pensou um pouco. Pensou mais um pouco, ainda. E, depois de um razoável silêncio, fruto da sua, decerto, profunda reflexão sobre como me levantar o astral, ele me crava um punhal bem o meio do coração:

- Perché tu non faz uma plástica no nariz? Ia ficar bem mais bonita...

Apanhada de surpresa com aquela facada na minha auto-estima que no momento não ultrapassava a altura do tapete, nem consegui reagir. Muito lentamente fiz que sim, de novo, com a cabeça.

Mas o cão não se deu por achado. Não contente com o uso indevido de arma branca contra uma pobre mulher doente e deprimida, ele acabou de me exterminar com uma única, simples e singelinha frase:

- Hummm, não ia adiantar!

E apontando a mão num ângulo de 45º em direção à própria testa, concluiu, mais esteta que Michelangelo e Da Vinci juntos:

- Tua testa é assim, ó, muito pra trás!

Morta, moribunda, sangrando por todas as minhas reticências, de novo, eu não disse um ai. Só fiz que sim com a cabeça.

(Graça Craidy)

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