O inferno são os outros celulares.


No meio do caminho tem um celular.
Sartre que me perdoe o uso fútil de sua famosa frase, mas nada é mais representativo do inferno em que se tornaram os outros, hoje, do que o maldito celular. Nada, mesmo. 

Onde quer que você ande, da padaria à ópera, da fila do banco à sala de espera do dentista, do taxi especial ao ônibus mais mequetrefe, sempre há um celular no meio do caminho com um idiota à coté falando alto com alguém que você não conhece, não quer conhecer e não tem o menor interesse em saber detalhes da desimportante vida da criatura. Ainda mais nesse volume pra acordar bêbado que eles adoram dialogar, numa compulsão bárbara de se expor na vitrine chafurdando na sua medíocre cotidianidade como se estivessem descendo a Champs Elysées, tralalá! 


Virar a cabeça e vomitar verde.
Odeio. Quero esgoelar. Quero me transformar na menina possuída do O Exorcista original pra vomitar verde na pessoa, assim, de repente e do nada, numa simples e providencial virada de cabeça. Ah!

Agora mesmo, eu estava numa lanchonete e lá atrás um rapaz falava em altos brados no celular com alguém. E nós outros todos mastigando nossos cheeseburguers bovinamente no ritmo daquela prosa fiada, sem reagir, como se fosse natural aquela invasão do domicílio dos nossos ouvidos.

O pior veio depois, quando o mentecapto ligou para outro amigo e, como nesse ínterim  seu lanche chegou à mesa e ele não podia segurar ao mesmo tempo o cheeseburguer e o celular, não teve a menor dúvida: apertou o botão do alto-falante do aparelho. E todos nós não apenas ficamos escutando as frases dele, como as respostas do lado de lá.


A tela do celular X tela do cinema.
Ir ao cinema, também. Outro inferno. Não bastasse a praga das pipocas barulhentas e malcheirosas à manteiga e os refrigerantes em lata sendo abertos ploft! estuprando calhordamente as cenas mais delicadas do filme e o som de mastigação suína invadindo a trilha, ainda tem a praga dos celulares com suas telas iluminadas onde os ansiolíticodependentes ficam clicando toda hora pra ver se chegou email, se chegou mensagem, que horas são, e agora, que horas são? 

Show? Outra devastação. Não sei porque as pessoas vão a show hoje em dia, se em vez de ver o show, curtir, dançar, elas só querem filmar o espetáculo com seus smartphones último tipo atrapalhando a nossa visão, atraindo magneticamente nossos olhares, perturbando nossa fruição com seu pensamentinho autoral de ser o primeiro a postar no Face olha-eu-aqui, ó no show superhipermega do Fulano. Saco! 


Fotografar é melhor que viver.
Sem falar na turba que se junta na frente do palco. Pra chegar mais perto dos seus ídolos? - você pergunta. Não. Para o celular deles chegar mais perto dos seus ídolos. Porque eles adoram a vida de segunda mão que só o celular dá. Aquela coisa Guy Debord na veia, do mundo mediado por imagens, espetacularizado até sugar todo o sangue e só deixar robozinhos tecnologizados. 

Ópera? Não, você diz botando a mão na boca horrorizado, ninguém se atreveria a interromper ritual tão centenariamente sagrado. Doce engano! Eu vi e ouvi, com esses olhos e ouvidos que a terra há de comer, uma dondoca quase apanhar do marido porque o celular dela tocou, ela não só atendeu como queria ficar falando, ali, em pleno primeiro ato, enquanto a soprano se esganipava lá no palco.


Whats app,  what a hell!
Aula? No me hagas reír que tengo el lábio partido! Jamais esquecerei em plena aula de Processo Criativo na ESPM, um grupo de alunos apresentando seus trabalhos lá na frente, toca o celular de um deles, que não se faz de rogado. Pára de falar conosco, abre a jaqueta, pega o celular e  eu e todos seus colegas, estarrecidos, o escutamos dizer:   - Alô, mãe? 

E não alimente ilusões com encontros de família. Domingo desses eu almoçava com jovens do clã e quando dei por mim conversava com as paredes. Meus dois interlocutores tinham sido abduzidos pelo Facebook, pelo WhatsApp, pelo raio que o parta.

No último Natal, peguei um ônibus de Júlio de Castilhos a Ijuí, coisa pouca de viagem, beleza, visitar a família, ah, que lindo é o Natal! 
Não funka no meu ouvido, pô!
Estou ali na janelinha embevecida com o verde da paisagem, quando me invade uma música brega no máximo do volume. Viro pro lado, uma tipa horrorosa segurava seu celular na mão e nos brindava a todos do ônibus com seu abominável gosto musical, feito uma deusa do lixão. Tentei me controlar. Calada, Graça! Até a hora em que ela veio de Tati Quebra-Barraco funkando nos meus ouvidos. Botei pra quebrar, também. 

E os loucos mansos que agora você cruza nas ruas, nos cafés, nos shoppings, no trânsito? Gente sem celular na mão mas que está, sim, falando no celular. Arrá, não contava com a astúcia deles? Fone de ouvido, Watson. Do nada, cruza com você um ser humano com o olhar vago falando em voz alta coisas mais vagas ainda. Você leva um susto, pensa que a criatura enlouqueceu, saiu da casinha, sofre de Alzheimer súbito. Nada!

E o pior é que os profetas do marketing só fazem anunciar que o celular vai cada vez mais ser o foco da convergência de comunicação.


Celulódromo, já!
Se a democratização do celular virou uma ditadura abominável, se não tem mesmo salvação, se está tudo dominado sem remédio, as pessoas precisam aprender a usá-lo com educação, parcimônia e respeito ao Outro. Por favor! 

Ou então, sofram as consequências: celulódromo, já! 

( Graça Craidy)

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36 comentários:

  1. Carlos Souza escreveu:

    ótimo, inteligente, engraçado, com vários grandes momentos e um grand finale: celulódromo já.

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  2. Rick Jardim escreveu:

    assino embaixo!!! tá faltando educação no uso destes aparelhos!

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  3. Circe Burmann Viecili escreveu:

    Ótimo artigo Graça. Super verdadeiro. Como podemos mudar a mentalidade das pessoas para fzer bom uso dessa maravilha ?

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  4. Paulo Vilela escreveu:

    O inferno não são os outros celulares, são só os outros, palavra do existencialista... Invenção maravilhosa, sem dúvida, mas tinha que vir junto com o que chamamos de "operadoras". Ótimo artigo, Graça.

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  5. Vera Regina Sartori escreveu:

    sensacional Graça, é bem assim. um abração

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  6. Silvia Regina Lopes Guimarães escreveu:

    Graça, eu quero comprar um aparelhinho que existe que vc bloqueia instantaneamente a linha que está em uso e a pessoa fica no vácuo, só dizendo alô, alô, alô........eu ainda vou ter um......e deixar bem á mão na minha bolsa......

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  7. Ivone Copetti escreveu:

    E isso mesmo Graça ,da nojo...vulgarização total e sem escrúpulos ,parabéns pelo artigo, Abracao

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  8. Graça, amei!!! Pertinente e engraçado como a autora. Bjs Isabella

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  9. Maria Cristina Barriquello Wayhs escreveu:

    Adorei, é isso mesmo!!!

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  10. Doris Hegedus Grossman escreveu:

    Em doses não homeopáticas Por favor:!

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  11. Antonio Carlos Santiago escreveu:

    Somos um bando de caipiras!

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    1. Acho que não somos só nós, Santiago querido! Tem um filme hilário do Paul Mazursky, de 1991, com Woody Allen e Bete Midler, Cenas de Um Shopping,que satiriza o uso idiotizado do celular nos Estados Unidos. Lembra desse?

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  12. Liber Matteucci escreveu:

    Muito bom esse texto...

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  13. Este comentário foi removido pelo autor.

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  14. Ivan Caires escreveu:

    Achei que eu era anormal, por detestar celulares e todas essas situações que você coloca, Graça!!! Graças a Deus não estou só! Odeio mais que as outras pessoas o uso inadequado dessa tecnologia. Odeio, porque vi ele nascer, ali ao lado da CBP, bem na frente do Clube Paulistano. Cansei de ver mulher brigando com o marido para pegar a senha e comprar o dito cujo. Outro dia entrei no elevador do meu prédio e entrou um rapaz e falou : tudo bem? Eu: tudo e você? O cara nem ligou e continuou a falar com as paredes...rsrsrs... até que eu me toquei, que o assunto não era comigo!! Ele era mais um desses louquinhos que você muito bem descreveu. Mas como disse o Paulo Vilela, o inferno são os outros.

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  15. Angelica Moraes escreveu:

    Pois é, Gracim: matar um leão por dia é fácil, o difícil é se livrar das antas...de celular n'orêia!

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  16. Rafael Carvalho de Souza escreveu:

    Graça, tá demais essse texto, tão divertido quanto sensato, parabéns!

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  17. Obrigado por este ótimo artigo. Ele me fez ver que não estou só em minha campanha contra a invasão do espaço público pelos periféricos de celulares.

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  18. Dulcinea Penno escreveu:

    Olá Graça,

    Muito bom!

    Um abraço,

    Dulcinéa

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  19. Carmem Maria Craidy escreveU:

    Hei querida, como sempre brilhante. Mando um abraço daqui de Lisboa, Carmem

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  20. Marly Revuelta escreveu;

    ah vc traduziu exatamente esta praga do celular. Aqui nao é muito diferente mas as pessoas ainda respeitam cinema, teatro mas em sala de aula, onibus etc... esta peste esta por toda parte... vc cita les Champs Elysées mas o que vc nao sabe é que a maioria dos pentelhos do celular que vêm dos suburbios de Paris la estao desfilando a mediocridade deles, os chefes de gangs do narcotrafico em seus 4X4 e todos os demais desocupados da vida...

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  21. Cado Bottega escreveu:

    Muito bom, Gracinha!
    Aliás o blog tá matador.

    BJOCO

    CADO

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  22. Iara Soares escreveu:

    Oi, Gracinha!
    Ando encantanda com tuas peripécias - arte, agora? E das boas! E teus textos... garota, estás cada vez melhor! Viva! To aqui pra te mandar um abraço bem apertado e convidá-la para os 10 anos da Stampa, dia 8 de junho. Venha, querida! Seria maravilhoso te ver na festa, como foi no primeiro ano. Bjos, com saudades e muiiita admiração!

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  23. Moisés Mendes escreveu:

    maravilha, graça.
    inspirado no teu, cheguei a escrever um sobre o google glass que vem aí, mas deixei pra depois porque me empolguei com o delfim e escrevi sobre o gordo para este domingo.
    beijo

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  24. Sara Seadi escreveu:

    Este texto é genial,no cinema aquela claridade, as vezes, na hora + sofrida elas ligam pra ver as horasssss!!

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  25. Orion Livros escreveu:

    Muuuuuuuito bom!!!!!

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  26. Patrizia Donatella Streparava escreveu:

    Brava! Bravissima!

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  27. Marly Schmitt escreveu:

    muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito bom!!!!

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  28. Maria Helena Zancan Frantz escreveu:

    Meu maior calvário é nos ônibus. Viajando de Ijuí a PoA, 6 horas e meia de ônibus, e os celulares não param de tocar. Volumes além do normal, música sertanojo total. e os pseudo empresários, comandando suas empresas o tempo todo sem o menor respeito pelos outros que querem encurtar a viagem tirando um cochilo...

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  29. Márcio Müller escreveu:

    Madrinha, sensacional, literalmente vomitou tudo que muitos pensam, como eu, mas não tem oportunidade de expressar. Que tal criarmos uma campanha pela educação no uso do celular? Pra terminar, celular na escola???? Suspensão do aluno e punição pública aos pais que não orientam seus filhos a desligar o dito na sala de aula. Dia desses, em pleno horário de aula, eu estava viajando e dando uma sapeada no face na hora do café da manhã e vi aluno on line. Pode??

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  30. Margaret sobrosa escreveu em 29/05/2013:

    Menina esta menina, colocou tudo que eu sinto, em relaçao ao celular! Graça tu és a voz de quem não tem ou melhor não sabe colocar as suas "inconformidades"p/ fora!

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  31. Hermes Aquino escreveu:

    Gaqui, envolvido na minha lutinha pelo nosso de cada dia, só hoje pude me deliciar com teu texto. Ao terminar de ler (voz alta) a Tenca bradou lá do outro canto da sala: a Graça é demais. Tem razão a mana do peito, tu és maravilhosa. Viajei no ônibus contigo e mastiguei meu hamburger ao teu lado. E ouvi a trilha desengonçada deste pessoal que usa o celular como se fosse a Voz do Poste. Brilhante, baby. Bj. Hermes

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  32. ...traigo
    ecos
    de
    la
    tarde
    callada
    en
    la
    mano
    y
    una
    vela
    de
    mi
    corazón
    para
    invitarte
    y
    darte
    este
    alma
    que
    viene
    para
    compartir
    contigo
    tu
    bello
    blog
    con
    un
    ramillete
    de
    oro
    y
    claveles
    dentro...


    desde mis
    HORAS ROTAS
    Y AULA DE PAZ


    COMPARTIENDO ILUSION
    GRACA



    CON saludos de la luna al
    reflejarse en el mar de la
    poesía...




    ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE EXCALIBUR, DJANGO, MASTER AND COMMANDER, LEYENDAS DE PASIÓN, BAILANDO CON LOBOS, THE ARTIST, TITANIC…

    José
    Ramón...


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  33. pois é graça....como dia a piada...hoje em dia celular é como celulite.....todo bundão tem....e com a historia do wi fi ficou pior ainda
    Chico

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  34. rsssss, e eu que pensei ser anormal! Vi que sou normalzinha... Faltou pouco para que eu discutisse dentro de um elevador apertado... Parecia que a maluca estava sozinha. Que falta de respeito. Bem... se fosse só falta de respeito até que estaria bom. O que irrita mais é ver a 'loucura' dos outros! É insuportável.
    Desculpe o erro acima, foi meu.

    Abraços! Estou lhe seguindo.

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