Santa Frida, rogai por nós.

Outro dia eu justificava o mito da Frida como algo muito parecido com idolatria religiosa, Frida mitificada como a mulher mártir que superou valente suas terríveis e dolorosas limitações através da arte, da paixão e da política. 

Veja nas fotos a colheita que o Google me devolve, do mundo todo, para as palavras-chaves " Santa Frida". 

Interessante como a cultura se constrói e se contamina mutuamente, montando mitos que vão atravessando os tempos e as fronteiras e, mesmo que algumas pessoas aleguem cansaço, exaustas da exuberância do mito, parece que não adianta. 



Frida como amuleto, como santinha protetora das que têm medo, das desamadas, das desvalidas, das apaixonadas etc etc.

Há os que a amam porque foi feminista, exemplo de empoderamento e autonomia. 

Há os que admiram nela sua postura ideológica, perseverante das suas convicções socialistas. 

Há os que se encantam porque sua figura é folclórica, porque ela desafiou as más línguas com seu modo de vestir, de se pentear, valorizando suas raízes mexicanas. 

E há ainda os que a cultuam por sua obra dita surrealista, onde explorou sem medo suas dores, amores e despudores. 

O mito só morre quando morrem os desejos que eles nutrem.
( Graça Craidy)


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Patrulheiros de Frida.


Nos anos 60/70, surgiu uma espécie de perseguição política, desta vez intramuros, praticada por amigos, colegas, parentes - uns contra os outros - que, aliás, vige até hoje: uma bizarrice invasiva e desrespeitosa denominada "patrulha".

A expressão "patrulha" foi cunhada pelo cineasta Cacá Diegues, que um certo dia cansado de tanto cuidares de vidas e cabeças alheias, se rebelou: - fora, patrulheiros!  Em analogia aos policiais da rádio-patrulha rondando a vida dos outros para validar comportamentos e enquadrar quem sai da trilha.

Patrulha que pos-modernamente falando, o escritor Amós Oz escancara e chama pelo nome real: fanatismo.

Eu chamo de mala, mesmo - aquele tipo de pessoa que quer decidir por você o que você deve pensar, o que deve comer, em quem deve votar, e agora, parece, também, o que você pode pintar.

Saiba que um novo tipo de patrulha se descortina no horizonte: agora deram para patrulhar não apenas quem acham que é petralha ou coxinha, mas também quem ama, desenha ou pinta Fridas.

Sim, senhor! Fazem aquele ar esnobe bem anacrônico de intelectual metido a descolado e.... humpf! que noujo!

São os defensores frankfurtianos tardios da cultura em exclusiva esfera erudita fazendo crer que todo o resto é romero-brittagem. (Aliás, não sei porque pegaram o pobre Romero Britto pra Cristo, deixa o homem enricar em paz! )

Imagina eu que tenho quase 20 lindas Fridas pintadas. Escuto esse rosnar culturalóide, e fico que nem o Cacá nos anos 60/70: de saco cheio!

Ora, vão cuidar dos seus quadros, vão cantar ponto em outra freguesia!

Os patrulheiros contra Frida alegam que estão cansados de Frida. "Que triste, isso, naum?"- disse uma certa cansada, certamente membro da Royal Accademy of Arts. Fiquei aqui lembrando do tema Madona e o Menino, no passado. Cansativíssimo!

Gente chata e metida!

Outro dia uma criatura enlouquecida, minha amiga - amiga?! - professora de cultura - veja a incoerência! de cultura - entra feito caminhão desgovernado num post da pintura de uma Frida que eu tinha acabado de publicar e, totalmente ensandecida, ficou ali fazendo discurso que estava cheia, por-aqui, cansada de Frida! chamando quem gosta de Frida de medíocre!

Sorry! Medíocre, eu? No me hagas reír! Só se eu nascesse de novo, meu bem! E ri sozinha, lembrando que pelo menos duas das brilhantes intelectuais que eu conheço - Ana Maria Colling e Lu Vilella - também como eu adoram Frida. 

Olhei praquilo surpresa e, em respeito a ela, que achei que estava em surto, deletei sumariamente suas vociferações, por pura vergonha alheia e preguiça de bater boca.

Pois hoje, acabada de publicar o quadro de Frida que doei para exposição da Chico Lisboa e um moço - do reino dos cansados - comenta ironicamente que se a Frida ganhasse direitos autorais estaria rica, algo assim. Embutidos por trás do comentário pretensamente inocente uma crítica ácida e um enfado superior.


E não adiantou eu argumentar que não é a Frida, é o mito empoderador da Frida que move a paixão por ela, é o seu exemplo de vida, é a sua superação como mulher e como pintora, é a sua autonomia para ser o que quis - dentro dos seus limites que eram muitos -, entre outras mil razões que qualquer estudioso de cultura sério e sem preconceito iria descobrir.



Que Frida é tipo uma Santa Bárbara contemporânea, guerreira, Yansã. Que Frida é tipo uma São Jorge de saias. Que ter uma Frida por perto é como se nutrir da sua coragem de viver, da sua ousadia, sua atitude. Um amuleto amoroso.

E se você não gosta do que ela fez da vida dela, paciência. Talvez ela também não gostasse da sua, talvez ela achasse que a sua vida é que é medíocre. 

Naum?


Só não me venha tentar menosprezar essa escolha com ares pernósticos e suspiros langorosos. Eu pintei, pinto e pintarei Fridas. Gosto de Frida. Vou continuar pintando Frida até o dia que eu quiser e não até o dia que os patrulheiros das artes desejarem.

Ah, e saiba que o amor pelo pobre do Van Gogh também está em perigo e começando a ser execrado pelos semideuses de plantão. - Frida, Van Gogh, Anne Frank...Que triste, naum? disse a moça, solidária com a bobice do fridófobo.

Ara, vão plantar marijuana! E relaxem, seus cansados. 

(Graça Craidy)

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Filminho de terror


Chamei um técnico em persianas para trocar o cadarço da persiana do meu quarto e enquanto ele desaparafusava a caixa da persiana, indaguei se nunca tinha se deparado com um morcego morando ali. 

Me pareceu um bom lugar pra morcego morar. 

Ele contou que sim, que já tinha encontrado uma caixa, certa vez, preta, de tão apinhada de morcegos e que...Ele interrompe a conversa e me diz: - opa, a sra. tem uma visita! 

Eu, já na porta, pronta pra correr, só com a cabeça pra dentro do quarto: - Não me diga que é um morcego! 

Ele, do alto da escada e das suas bochechas gordas e rosadas, me tranquilizou: - sim! mas não se assuste, já está morto há muuuuuitos anos. 

E riu, bem sacudida a pança. 

Apavorada com a ideia de haver dormido muuuuitos anos na companhia de um morcego, ainda repeti ofegante a ultima frase dele: - mor....to, é? 

E ele não me poupou da última punhalada: - sim! agora só está o esqueletinho dele! 

Ah, bom! O esqueletinho dele? Puxa, ainda bem! Que alívio! Adoro a ideia de dormir com um esqueletinho de morcego!
( Graça Craidy)

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O homem cordial, um equívoco histórico.

Cordial vem de cor, coração, não bonzinho, mas movido
pelos sentimentos ( bons e ruins).
Assisti na UFRGS à interessante palestra de Pedro Meira Monteiro e Lilia Moritz Schwarcz, editores críticos da ultimíssima edição de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, livro fundador da compreensão do Brasil e do brasileiro, junto com Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr.

O livro, que completa 80 anos da sua primeira edição, já passou por 5 edições e mais de 600 ajustes e reajustes feitos pelo autor, só nas duas primeiras edições.

Buarque de Holanda, com seu famoso capítulo 5 sobre o conceito de Homem Cordial, teria vivido uma espécie de inferno astral permanente, desde que o público e a crítica elegeram sua visão da cordialidade do brasileiro como o hit do livro.

Por quê? Primeiro porque segundo pesquisas de Pedro Meira Monteiro e Lilia Moritz Schwarcz, o conceito de Homem Cordial não é dele, Sérgio Buarque de Holanda, mas de um outro escritor, Ribeiro Couto. Couto teria se referido ao brasileiro, antes de Buarque, como "daremos ao mundo o homem cordial", visão apropriada ao livro Raízes do Brasil para complementar a sua tese.

(Imagina que louco um intelectual como ele ser reconhecido gênio por um conceito que não é exatamente seu?)

Segundo, porque houve miles de mal-entendidos quanto ao conceito de Homem Cordial, principalmente por parte de Cassiano Ricardo, que teria contribuído para o erro de compreensão ao ressaltar o livro como um " tratado sobre a bondade" do brasileiro, entendendo erradamente que cordial viria de "gentil, sociável," ao contrário do que realmente Buarque queria significar.

Cordial, diz Buarque, vem de "cor" = coração, ali onde acontecem as emoções - as boas e as ruins - e que esse homem movido pelo coração e suas paixões pratica suas relações com o público como se fosse privado, privilegiando sempre a família e os seus.

Quem não conhece esse jeito de fazer as coisas no Brasil? Basta lembrar a votação do impeachment, lembra Lília.

Lilia conta que garimpou a expressão " homem cordial" em jornais, revistas, e descobriu-a, por exemplo, na boca ignorante de Geraldo Alckimin em pleno exercício de um suspeito politicamente correto, ao dizer em um discurso que, no Brasil, o homem é cordial e a mulher também. E Lília ironiza: " ao fazer isso ele está dando um toque a Sérgio Buarque de Holanda, como quem diz, você não falou na mulher, falo eu."

Os editores contaram também das ressonâncias do famoso prefácio de Antônio Cândido ao livro, que muitos consideram o último capítulo extraoficial e outros, menos bondosos, entendem como o local onde Cândido teria inventado um Sérgio Buarque de Holanda que não existe.

Essas e outras descobertas picantes e interessantes fazem do último Raízes do Brasil um must a ser saboreado com vagar, porque é um livro que não se acaba nunca, está sempre em processo, dizem os editores críticos: a cada novo momento histórico as pessoas o lêem de um jeito, conforme suas dores e amores sociais atualizados. A ver!

( Graça Craidy)

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Israel Kislansky: a arte como ficção.

"Arte é o fenômeno cultural que conta como vivemos a realidade." 
Assisti à palestra do fantástico escultor, pintor e desenhista baiano radicado em São Paulo, Israel Kislansky, no Atelier de Cerâmica Katia Schames.
Figura doce, serena, voz mansa, nem parece que esculpe mulheres gigantescas, um verdadeiro mestre, um impressionante sábio.
Considerado entre os maiores escultores em cerâmica e fundição do Brasil, não se vê nele um pingo de arrogância. É um igual, ali, contando pra gente, com seu amoroso timbre rouco, o que aprendeu em sua caminhada.
E ao dar uma aula magnífica sobre a História da Arte através da escultura, vai tecendo a tessitura doida da história dos homens que buscam, cavam, brigam, destroem, começam de novo, em seu eterno ciclo e reciclo de construir e destruir.
Aos poucos a gente vai-se dando conta de que a arte é sempre registro dessa luta, traduz em si o que vige na página da Historia onde foi esculpida. Não necessariamente evolução, mas registro.
Então, ele começa contando da escultura rígida, arcaica e vai desenrolando o corpo, do sagrado representando deuses, até a assumpção total de cada veia, músculo, carne dessacralizada. Pra depois, cataploft! Começar tudo de novo em surpreendente arcaismo de mais uma vez a arte retratando rigidez e ausência de carnaduras, reflexos da sociedade onde se criou, bem como aliás apontam os estudiosos de Birmingham, dos Estudos Culturais. De que a arte é concretamente o que naquele momento a sociedade deglute.
" A arte é a necessidade de experimentar outra realidade."
Quando chega em Roma, ele conta que a estatutária romana inventa o retrato.Quando chega em Rodin, ele avisa: -aqui o homem começa a conversar consigo mesmo. E se vai.
Para Israel Kislansky, que homenageia o seu mestre J. A. Van Acker, ARTE É FICÇAO, o lugar da invenção, da expressão, da criatividade. O lugar onde o homem reescreve o seu percurso, ficcionado. "Arte é o fenômeno cultural que conta como vivemos a realidade." - diz ele. A criança, por exemplo, vive todo tempo em um ficcional inventado por ela. Quando cresce, vai viver a ficção na arte: no cinema, na música, na literatura.
A vida representada pela arte poderia se resumir em três pontos - explica ele: ponto de interrogação, de exclamação, ponto final. De interrogação, a arte que questiona, pergunta; de exclamação, a arte que exubera, se exclama, e ponto final, a arte que simplesmente mostra o fato objetivo, sem grandes manifestações. ( Claro que eu me identifiquei com exclamação e interrogação! )
Kislansky entende que a arte tem também a função de organizar. E explica: " a arte é organizadora, porque há muito de inexplicável na vida, e a arte faz sentido, então, organizando o caos".
Para concluir, ele reforça o lado emocional da arte - contrariando os racionais arte-conceitualistas que rejeitam a emoção - e é categórico: " a arte é a necessidade de experimentar outra realidade, outra experiência emocional". A-mei! Obrigada, Katia Schames, por nos proporcionar esse privilégio!
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Arte ou bla-bla-blá?

O impagável Tom Wolfe, eterno mestre do New Journalism, em seu livro A PALAVRA PINTADA (Rocco, 1975), descreve com ironia e fatos e nomes a derrocada fatal da pintura no século XX.

Para Wolfe, por graça e ação de três críticos de arte americanos, Greenberg, Rosenberg e Steinberg, a pintura terminou cedendo seu lugar à Teoria, que acabou por se tornar - ela própria, a Palavra - mais importante, mais Arte que a própria Arte. A tal Palavra Pintada que dá nome ao livro.

No decorrer da leitura, o autor percorre os vários movimentos da arte nos Estados Unidos, em uma ação paralela que vai banindo da tela detalhe por detalhe, tudo o que se refere à pintura dos séculos anteriores, até fazer desaparecer, por fim, a própria tela e a própria pintura, com " o solvente universal da Palavra".

E nesse apanhado, ele repassa as palavras de ordem que comandaram esse desmonte da arte, como "superfície plana e fuliginosa", "arte de ação", " toda arte versa sobre arte" e " toda obra profundamente original parece feia a princípio" etc.

Quando o movimento da arte chega à etapa chamada Minimalismo, Wolfe joga a toalha e, na página 117, reconhece a derrota:
" E, finalmente, ali estava! Nada de realismo, nada de representação de objetos, nada de linhas, cores, formas e contornos, nada de pigmentos, nada de pinceladas, nada de evocações, nada de molduras, paredes, galerias, museus, nada de se torturar diante da face angustiada da deusa da superfície plana, nada de plateia, apenas um 'recebedor', que pode ou não ser uma pessoa, ou pode ou não estar presente, nada de ego projetado, apenas ' o artista', na terceira pessoa, que pode ser qualquer um ou ninguém, pois nada se exige dele, nadinha, nem mesmo que exista, pois isso se perdeu no modo subjuntivo - e naquele momento de abdicação absolutamente desapaixonada, de desaparecimento desinteressado, a Arte fez o seu voo final (...) e saiu pelo outro lado sob a forma de Teoria da Arte".


E foi assim que a arte virou blá-blá-blá. ( Graca Craidy)
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Um cusp! para Bolsonaro.

Até um asno entende que ele diz. Aliás, são os que mais entendem. 

POR QUE BOLSONARO, um sujeito claramente limitado e com um discurso repulsivo sob todas as formas - homofóbico, misógino, racista, fascista, fanático, fundamentalista, asqueroso, enfim - faz sucesso e vira mito, apupado por certos grupos? 

Porque ele, ainda que diga barbaridades atrozes,é fácil de entender. Ainda que imoral, impensável, tudo o que ele diz é rasteiro, palpável, não tem proparoxítonas nem o palavrório difícil e aparentemente suspeito do usual discurso político. 

Até um asno entende o que ele diz. Aliás, são os que mais entendem. 

A conversa dele é de galpão, de muro, de cotovelo na janela, de boteco de pinga, de bolicho de sinuca. Ele encarna como ninguém o pensamento mágico infantil, o discurso reto, sem firulas, pseudo paternalista, fanfarrão, sem caráter, do sujeito que sabe o que fazer, não importa se é ético ou não - pode deixar, papai cuida de tudo! - do sujeito que promete ir lá e resolver o problema, com dois ou três tapas na orelha de quem discorda. 

A conversa dele é de bandido, de super-herói de mentira. Mentirosamente, ele faz a ovelhada medrosa acreditar que em sociedade tudo é possível de ser resolvido com beligerância e autoritarismo, muito além da moral. Ou, pior, com falsa moral. 

E nessa falácia, ele faz um atalho estratégico no discurso, deixando para trás a parte incompreensível para quem não pensa com a própria cabeça: a complexa necessidade da dura negociação inerente à democracia, da administração delicada dos contrários, da busca de consenso, da superação das diferenças por uma causa maior que a da cartilha do primeiro ano fundamental ou do catecisminho de domingo. 

Ovelhas adoram gente assim, que as poupam de raciocinar, de decidir, de compreender os meandros difíceis das relações humanas. Ovelhas adoram salvadores do rebanho, adoram não precisar refletir, não precisar arriscar, não precisar negociar, não precisar nem escolher o que é certo e o que é errado. Ovelhas adoram seguir o pastor. 

Não é à toa que um dia acabam virando tapetes, ops, pelegos. Cusp!(Graca Craidy)

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