Com quantos Zaragozas se faz um Zaragoza?

Criador e modelo 

Das Belas Artes aos multizaragozas

" Pra ele, tudo na vida é uma folha em branco à espera de idéias novas."

Alex Periscinotto, publicitário, sobre José Zaragoza (2003)

 A julgar pelos jornais e revistas do Brasil, há pelo menos quatro Zaragozas no mesmo José. Primeiro Zaragoza, o artista plástico, que já expôs em duas Bienais (1963 e 1967), no Masp e no Museu de Arte Brasileira ( FAAP), em São Paulo, além de mostras em Paris, Barcelona, Nova York, Tóquio e Helsinqui, e em sua mais recente exposição no Brasil, Zaragoza - Meio Século - Revisão ( 2005), no Museu Brasileiro de Escultura de São Paulo, registrada também em livro do mesmo nome, que reúne 18 obras de diferentes fases dos 50 anos de sua carreira artística, com as séries Pássaros, Chaves e Antúrios. A mídia reportou:


Zaragoza reuniu no Museu Brasileiro da Escultura,o MUBE, um interessante painel da sua obra, com trabalhos de vários períodos e estilos. De retratos dos filhos a murais abstratos que revelam crítica social e política.(...) Hemingway dizia que ter passado pouco tempo trabalhando como jornalista foi o que salvou o escritor dentro dele. Para a sorte da publicidade e da arte brasileiras, Zaragoza não precisou sufocar nenhum dos seus talentos. (CIAFFONE, 2005).

O segundo Zaragoza é o ilustrador, freqüentador assíduo das páginas de revistas que fizeram um pouco da história do Brasil nos anos 60, 70 e 80, como a Senhor, Claudia e Vogue, acompanhando com seus traços as tramas de Scott Fitzgerald, Johann W. Goethe, Arthur Miller, Somerset Maugham, Ray Bradbury e Pearl Buck, entre outros, e mais as rimas de Rimbaud, no jornal O Estado de São Paulo, com manchas e desenhos treinados tanto nas lides do Zaragoza artista plástico como nas do terceiro Zaragoza: o publicitário, que começou sua carreira na década de 50, quando a publicidade ainda requeria profissionais com talentos artísticos para manchar layouts à mão, à base de guaches e ecolines, definindo tanto o visual das peças como o título, cada letra desenhada, uma a uma, com pacienciosa perfeição maquinística.

Artista plástico com vários livros
Na opinião de seus pares publicitários, Zaragoza tem tamanho talento no trato do desenho e da pintura, que o redator Neil Ferreira, seu dupla por quase duas décadas, na DPZ, em depoimento no livro Layoutman ( 2003) rememora:

Quem era o assistente do Z? O produtor gráfico do Z? O fotógrafo do Z? Oras, o próprio Z.(...) Como ele amava o que fazia com as próprias mãos. Um dia o peguei falando para uma de suas mãos: " Menina, um dia ainda te peço em casamento". ( FERREIRA, In ZARAGOZA, 2003: 20-22)


Seu sócio, Roberto Duailibi, o D da DPZ, que o considera "o maior de todos", relata como fazia valer o talento de Z junto aos clientes:

De tal maneira eram os layouts de Zaragoza uma obra de arte que eu recomendava ao pessoal do atendimento que, ao apresentá-los, fizessem como eu: " segurem o layout como um marchand mostra um grande quadro de um excepcional artista, com respeito e até reverência". (DUAILIBI, In ZARAGOZA, 2003:14-18.)


Zaragoza publicitário é o Z da agência DPZ, uma das 15 maiores agências de publicidade do Brasil, fundada em 1968 e das poucas ainda com 100% do capital nacional. Premiado diretor de arte de campanhas famosas como a do Leão do Imposto de Renda (78), do Baixinho da Kaiser ( 82), entre outras, ele iniciou sua carreira na publicidade como assistente do chefe de arte inglês Eric Nice - chamado mestre por toda uma geração de diretores de arte - em 1953, na agência J.Walter Thompson, em São Paulo, a quem teria ido mostrar sua pasta, meio ano depois de chegar ao Brasil, com desenhos e ilustrações do tempo em que era um rapazola na Catalunha, estudante da Escola de Belas Artes Las Lonjas de Barcelona.


Quase dez anos depois do seu début na chamada mãe das agências americanas, Zaragoza fundaria um dos mais respeitados estúdios de arte publicitária e design da época, no mercado paulistano - a hot-shop Metro 3, espécie de boutique em pré-estréia da DPZ - junto com Francesc Petit, o P da DPZ, também artista plástico, também diretor de arte, também espanhol e, mais que espanhol, catalão, como o próprio Zaragoza (nascido em Alicante mas criado em Barcelona). O consagrado arquiteto e designer gráfico paulista Ricardo Ohtake ( 1998), diretor do Instituto Tomie Ohtake (SP), que foi Secretário de Estado da Cultura de São Paulo e diretor do Centro Cultural São Paulo, do Museu da Imagem e do Som - MIS e da Cinemateca Brasileira, inclui a Metro 3 de Zaragoza e Petit em um seleto rol de nomes no design brasileiro considerados por ele como "de grande envergadura":

Os 40 anos que separam a formação dos primeiros escritórios de hoje viram (...) o desenvolvimento de trabalhos de grande envergadura com Wollner, João Carlos Cauduro -Ludovico Martino, Aloísio Magalhães, Metro 3 (Carlos (sic) Petit e José Zaragoza) (...) (OHTAKE, 1998.)
A DPZ e OS DPZs

Quarto Zaragoza: sétima arte, sétima década. Em 1999, às vésperas de completar 70 anos, Zaragoza prestou a sua homenagem à São Paulo caótica da pós-modernidade, a quem ele diz amar com profunda gratidão por tudo o que a cidade lhe deu - trabalho, família, amigos e sócios : " São Paulo deu-me oportunidade de viajar pelo mundo e na volta sentir aquela doce alegria de quem retorna ao lar", ele declarou em entrevista a Gisele Centenaro, Mara Vegso e Rafael Sampaio, da revista About. (2001.)


Seu longa-metragem Até que a vida nos separe ( 1999), estrelado por Murilo Benício, Betty Goffman, Norton Nascimento, Marco Ricca, Alexandre Borges e Julia Lemmertz, tem roteiro dele em parceria com o roteirista mais requisitado do Brasil, Leonardo Serran, o mesmo de Gabriela, A estrela sobe, O que é isso, companheiro, Dona Flor e seus dois maridos. O filme trata da solidão da grande cidade no mundo yuppie, onde a amizade atenua o vazio de vidas focadas em consumismo, aparência e ambição, abordando a dissolução da família, a adolescência prolongada, entre outros aspectos. Conta a história de seis amigos em torno de 30 anos, solteiros e independentes, exemplos do sucesso numa sociedade capitalista, segundo a sinopse da Warner.


A crítica ao filme variou de temperada a fria. Para o jornalista Ivan Claudio ( 1999), da Istoé, o filme "impressiona" e "é uma crônica bem conduzida":

José Zaragoza, um dos donos da agência de publicidade DPZ, também artista plástico e agora cineasta, fez questão de que seu primeiro filme, Até que a vida nos separe – em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo –, ficasse visualmente o mais distante possível da estética publicitária. Quem, portanto, estiver esperando um desfile de imagens filtradas e poses afetadas ou, então, um clima de passarela que inunda as obras moderninhas vai se surpreender com uma crônica bem-conduzida sobre as alegrias e os dissabores de um grupo de amigos paulistanos de classe média. (...) Embora Zaragoza não consiga driblar certos vícios visuais e narrativos, seu filme impressiona. ( CLAUDIO, 1999)
Todos os dias ia na agência e no atelier

Já para Kleber Mendonça Filho, crítico do site Cinemascópio, o filme é "sub-escrito e sub-desenvolvido", com "diálogos raquíticos" e uma cena final que ele chama de "mico estilo Cinco Mosqueteiros":

José Zaragoza provavelmente trabalhou em cima de uma verdade muito pessoal ao realizar seu primeiro filme (...) O problema é que a idéia de Zaragoza para uma visão romântica e moderna de um personagem interagindo com a cidade é, por exemplo, um homem tocando saxofone no terraço do seu super apartamento, com a cidade brilhando ao fundo, estilo Los Angeles/Blade Runner. Talvez desde Um Trem Para As Estrelas, de Cacá Diegues, nos longínquos anos 80, que não via-se imagem tão destituída de significado e carregada de uma presunção tão atrasada. (MENDONÇA FILHO, 1999.)

Zaragoza lembra que não é o primeiro publicitário a se arriscar nas hostes do cinema, reportando-se aos ingleses Alan Parker ( Mississipi em Chamas), ex-redator publicitário, e Ridley Scott ( Blade Runner), diretor do premiadíssimo comercial 1984 ( Apple Macintosh), mas confessa não gostar do próprio filme e prepara-se inclusive para rodar seus próximos longas, um de nome A Pedrada, outro sobre sexo nos bastidores da igreja.

Quando estagiou na NBC, em Hollywood, nos idos de 1956, época em que trabalhou na J.W.Thompson de Nova York, Zaragoza conta que cruzou com Martin Scorsese nos estúdios e escutou do diretor ítalo-americano ( O Aviador, After Hours, Goodfellas, Gangues de Nova York) a mesma coisa: Scorsese, como ele, também não gostava dos próprios filmes.

Haja capital simbólico para tanto capital cultural. Evidentemente, Zaragoza aqui se apropria da legimidade de um cineasta consagrado para justificar a sua ausência de sucesso, escamoteada pelo pretenso descaso de " não gostar do próprio filme".



De catalão andaluz a verde-amarelo




Com Neil Ferreira, seu redator por 18 anos.
José Maria Martinez Zaragoza, conforme a tradição espanhola, carrega no final  do nome o sobrenome materno, adquirido no dia 14 de julho de 1930, em Alicante, Andaluzia, sul da Espanha, terra dos seus pais, avós e dúzias de tios e tias, para onde sua mãe voltava, de Barcelona, a 200 km, toda vez que ia dar à luz. Embora confesse adorar as lembranças vividas no sul com a buliçosa família da mãe que tinha 12 irmãos e uma irmã e principalmente com o avô, fazendeiro, a quem ele se diz muito ligado, pois volta e meia era mandado pela mãe à sua casa na fazenda em Alicante, para que o protegesse dos bombardeios de Franco em Barcelona, Zaragoza assumiu, mesmo, Barcelona e a Catalunha como sua terra natal, pois lá virou menino, rapaz e homem. Apesar dos duros tempos do franquismo imperando truculento desde que el niño José tinha 6 anos, povoando seus pesadelos de infância, quando perdeu oito de seus 12 tios - todos da Brigada Vermelha, ele conta - torturados e mortos ou fuzilados pelo regime franquista, sem falar nas bombas:

Barcelona, durante a Guerra Civil Espanhola, era uma cidade visada pelas forças do Franco e foi muito bombardeada.(...) Vivi a guerra dos seis aos nove anos. Lembro da noite em que caiu uma bomba na casa do vizinho, e acabou destruindo a nossa. Vi minha irmã voando contra a parede. ( ZARAGOZA, 2001)


O fato de Zaragoza assumir-se catalão denuncia valioso capital simbólico e cultural representativo da histórica luta de uma nação por sua autonomia como tal, em um surpreendente nacionalismo ressaltado por Manuel Castells no volume 2 da série A era da informação: economia, sociedade e cultura. O poder da identidade

( 2002: 64), quando analisa as razões de tão forte sentimento de pertença à terra, à língua e à cultura, entre os catalães.

Segundo Castells (2002), uma das causas da insurreição que gerou a Guerra Civil Espanhola ( 1936-1939) teria sido a aprovação, pelo governo republicano espanhol, de um Estatuto de Autonomia (1932) - reivindicado por referendo popular - que restituía à Catalunha suas liberdades, um governo independente e a autonomia linguístico-cultural, privilégios com os quais os revoltosos do Generalíssimo não concordavam. Finda a Guerra e vencedor, Franco teria passado a reprimir sistemáticamente tudo o que fosse catalão, da cultura a seus líderes, inclusive eliminando professores falantes do catalão das escolas, para que a língua acabasse se extinguindo naturalmente, enfraquecendo a nação. Mas, parece, só serviu para alimentar ainda mais o nacionalismo catalão, eleito ícone-mor de resistência a Franco:


Como movimento de reação a essas medidas repressivas, o nacionalismo tornou-se um grito de guerra para as forças contrárias a Franco na Catalunya, a exemplo do que ocorreu no País Basco, a ponto de todas as forças políticas democráticas, de democratas-cristãos a liberais a socialistas e comunistas, passarem a ser nacionalistas catalães. ( CASTELLS, 2002: 64)


Diretor de arte premiadíssimo, escola para os que vieram depois
Outro aspecto importante da língua atrelada à condição de nação deve-se ao alto nível de industrialização de Barcelona na segunda metade do sec.XX, diz Castells ( 2002:66), que atraiu milhares de migrantes pobres do sul da Espanha, em busca de trabalho. Para que não se criassem guetos culturais geradores de rupturas na sociedade, principalmente entre classes sociais, o governo catalão estabeleceu, com a Normalização Linguística de 1978, o ensino da língua em todas as escolas, essa integração pela língua tornando catalão todo aquele que vive e trabalha na Catalunha e que esteja disposto a ser catalão. Ou seja - reforça Castells ( idem) - " estar disposto a sê-lo é justamente falar a língua".

Manuel Castells ( 2002), ele próprio um catalão, afirma ainda - ao contrário do jamaicano Stuart Hall ( 2000:109) o qual diz ser a identidade, sim, um processo " de natureza necessariamente ficional" - que a propalada identidade catalã " não é uma invenção" :

Na condição de uma comunidade cultural organizada em torno da língua e de uma história compartilhada, a Catalunya não representa uma entidade imaginada, mas sim um produto histórico constantemente renovado. ( CASTELLS, 2002: 67)


Esse produto histórico, que o autor chama de " catalanismo" e identifica com as aspirações históricas de uma "burguesia industrial frustrada", segundo ele, remonta ao ano 988, na luta de uma região-corredor de-para o Mediterrâneo, com o intuito de barrar a invasão árabe e manter protegido um império basicamente comercial, governado pela aliança entre a nobreza e as elites mercantis urbanas. Exceção feita - ressalta Castells ( idem) - somente quando o rei Fernando da Catalunya, Valencia e Aragão casou-se com Isabel, a rainha de Castela ( sec.XV), dando origem, séculos depois, à invasão e conquista da Catalunha, em 1714, pelo exército de Filipe V da dinastia Bourbon, derrota que o povo catalão comemora até hoje, tal como os gaúchos festejam a sua fracassada Revolução Farroupilha:


Durante pelo menos mil anos, uma determinada comunidade humana, organizada fundamentalmente em torno da língua, mas também dotada de significativa continuidade territorial e uma tradição de governo autônomo e democracia política autóctones, identificou-se como nação, diante de diferentes contextos, lutando contra adversários distintos, fazendo parte de Estados diversos, contando com seu próprio Estado, integrando imigrantes, suportando humilhações ( comemorando-as, na verdade, todo ano) e ainda assim, continuou existindo como Catalunya. ( CASTELLS, 2002: 67)


Dessa breve narrativa da história catalã, no contexto da trajetória de José Zaragoza, pode-se depreender pelo menos duas coisas: uma, que o fato de alguém nascer catalão já o equipa, em habitus de diferir - por elevada auto-estima e capacidade de resistência - a um degrau acima se comparado com seus modestos pares layoutmen no Brasil dos anos 50; duas, que o mais tarde assumido nacionalismo brasileiro de Zaragoza em seus posicionamentos históricos à frente de movimentos que revolucionaram a publicidade e a criação publicitária brasileira provavelmente advém de um dna cultural catalão embutido em sua personalidade. Perceba-se aqui como ele assume o Brasil feito fosse realmente a sua terra natal, 23 anos depois de imigrar ao Brasil, em 1975, quando fala sobre a fundação do Clube de Criação de São Paulo, do qual foi o primeiro presidente:


Eu e o Palhares, na DPZ, mais um monte de gente, como o Hans Damman, estávamos de saco cheio da propaganda mundial. Percebemos então que era necessário resgatar a linguagem realmente nacional, o humor brasileiro. Era preciso parar de copiar, de adaptar os filmes estrangeiros e resgatar o que era nosso ( grifo nosso). ( ZARAGOZA, 2001)


Inquieto, estava sempre buscando novos modos de fazer
Um pouco antes de fundar o Clube, no mesmo ano de 1975, Zaragoza, junto com seu redator J.A. Palhares Neto, angustiava-se - segundo o jornalista Armando Ferrentini, do caderno Asterisco ( Diário Popular/SP) - com a procura de novos rumos para a criação, imaginando uma linguagem mais simples para a publicidade brasileira, uma " espiritualidade" mais nacional, sem a sofisticação importada dos Estados Unidos, inspirada anteriormente no bill-bernbachiano humor judeu:

Evitar a linguagem construída para o epathè, ou para ter uma piadinha, onde se faz um anúncio ou uma campanha baseado numa piadinha, quer dizer, essas coisas....mas eu acho que isso está emprestado ao Brasil. Não é nosso ( grifo nosso). Nosso estado de espírito é mais alegre, mas este tipo de propaganda me parece mais o espírito do judeu americano, que faz aquele tipo de autogozação. Uma espiritualidade que não é bem brasileira. ( ZARAGOZA, 2003: 210)


Ou seja, Bill Bernbach e o ensinamento da sua Revolução Criativa que ajudou os criadores publicitários a sair do limbo nos anos 60, não apenas no Brasil mas no mundo inteiro, contagiando centenas de agências, estava prestes a perder seu status de dominante ortodoxo, contestado o seu humor de autogozação tipicamente judeu por seus mais diletos dominados heterodoxos, como aliás bem prevê Bourdieu ( 1996) quando fala do inevitável envelhecimento social provocado muitas vezes pelos próprios prosélitos dos dominantes.

Zaragoza e seus pares estavam arquitetando, então, um novo modo de diferir no campo, condição básica para manter-se na posição conquistada há não muito tempo, de heterodoxo em ascensão à ortodoxia, com a fundação da DPZ (1968). Como ressalta Bourdieu:

Quando um novo grupo literário ou artístico se impõe no campo, todo o espaço das posições e o espaço dos possíveis correspondentes(...) vêem-se transformados por isso: com seu acesso à existência, ou seja, à diferença, é o universo das opções possíveis que se encontra modificado, podendo as produções até então dominantes, por exemplo, ser remetidas à condição de produto desclassificado ou clássico. ( BOURDIEU, 1996: 265)




Um clássico. É nisso que acabava de se transformar o revolucionário Bill Bernbach, naquele ano de 1975 da fundação do vanguardista Clube de Criação de São Paulo, em protesto contra a linguagem importada americana e também, em represália aos critérios considerados comerciais e ilegítimos do Prêmio Colunistas - organizado pelo mesmo jornalista Armando Ferrentini - um certame de premiações anual conduzido por colunistas especializados em publicidade, nenhum deles no entanto considerado pelos criadores publicitários mais críticos como autorizado por competência técnica a julgar o que era ou não de boa qualidade sob o ponto de vista da criatividade publicitária.

Nasce assim, em 1975, o CCSP, Clube de Criação de São Paulo, para reunir criadores publicitários que seriam - eles mesmos e não jornalistas estranhos no ninho - os próprios juízes dos melhores trabalhos brasileiros em criação publicitária, celeiro da futura privilegiada posição do Brasil entre os três países mais criativos do mundo em publicidade, dali a duas décadas, na de 90.

O mundo dos múltiplos Zaragozas começou quando o pequeno José, ao contrário dos demais que usavam livros em sua casa apenas para ler, ficava desenhando no espaço em branco entre um capítulo e outro, volume atrás de volume, escondido da família. Até o dia em que uma amiga da sua mãe devolveu uns livros emprestados e comentou com a Sra. Zaragoza sobre os surpreendentes desenhos entrecapítulos dos livros. Conseqüência: aos 13,14 anos, Zaragoza foi matriculado pela mãe em aulas de desenho com uma professora de artes e mais tarde, recomendado pela própria maestra e aceito na Escola de Belas Artes Las Lonjas, de Barcelona, onde por dois anos acumulou o capital cultural específico precioso que faria a sua diferença, depois, no Brasil, relatando que os professores eram tão severos que " era proibido usar preto, imagina!".


Leiautes obras-de-arte
Telmo Martino (2004), colunista do Jornal da Tarde de São Paulo, famoso por suas alfinetadas, jamais espetou Zaragoza, " um dos raros artistas que podem dar as mais difíceis ordens à sua arte com a mais completa certeza de uma obediência" ( 2004:103). Chamava-o, também, de luxuoso:

O luxuoso José Zaragoza anda muito exibicionista. Neste momento exibe quadros em galerias de Brasilia e Porto Alegre. Daqui a um mês, estará exibindo quadros, com Rubens Gerchman e Ivald Granato, na Galeria Monica Filgueiras de Almeida. E, em dezembro, participará de uma coletiva gigante na galeria Paulo Figueiredo. ( MARTINO, 2004: 315.)



Quando Zaragoza completou 18 anos, foi convocado para o serviço militar. Supremo sacrifício: servir ao verdugo que mandara matar seus tios. Sem poder se esquivar, por dois anos ele esteve na Marinha, onde muito cedo os oficiais descobriram seu talento para o desenho e permitiram ao marujo José passar as tardes desenhando suas famílias. As famílias e suas feiúras, diz Zaragoza, que conta ter piorado seus traços, de propósito, como fazia Goya, por vingança.
Antes de ir para a Marinha, porém, com 14 anos, Zaragoza ajudava nas despesas em casa trabalhando como aprendiz de mecânico em uma oficina, onde ficou amigo de um vizinho, Henrique, que mais tarde partiu para São Paulo, no Brasil. Zaragoza também retocava negativos de fotógrafos, eliminando os defeitos do vidro, com lápis. E, ainda, pintava cartazes de cinema, gigantescos painéis de 4 metros que - ele lembra - se divertia fazendo: quadriculava as fotos pequenas do filme e as ampliava no imenso espaço em branco do cartaz, espaço aliás muito parecido com o das suas telas enormes de hoje em dia, quase duas vezes e meia a sua altura. Desse tempo de cartazista adolescente, Zaragoza trouxe o duplo talento dos seus outros Zaragozas: o ilustrador e o apaixonado por cinema; e mais um talento extra, o de retocador de negativos, que muito iria lhe servir, quando imigrasse para São Paulo.

Na volta de Zaragoza do serviço militar, em 1950, Franco continuava no poder, onde permaneceu por quase 40 anos, depois de vencer a Guerra Civil Espanhola (1939) com um saldo de mais de meio milhão de mortos e um período de depressão e repressão, segundo relata a jornalista Carmem González, da BBC Mundo (2000):

Franco sempre deixou claro que não acreditava na reconciliação e perseguiu sistematicamente seus adversários...(...) Milhares de exilados partiram para América Latina (...) Franco odiava os comunistas, os maçons e os liberais e defendia a fé católica e os valores do Império Espanhol ( ...) Se referia à independência das últimas colônias espanholas ( Cuba, Porto Rico e Filipinas) como " o desastre" e relacionava a esquerda com o próprio demônio (...) Segundo rezava o escudo de armas nacional, a Espanha era ( ou devia ser) UMA, GRANDE e LIVRE. ( GONZALEZ, 2000)5



Que futuro tinha o jovem Zaragoza em Barcelona, com 20 anos e nenhum emprego? Em outubro de 1952, Zaragoza chega ao porto de Santos, no Brasil, depois de 14 dias de viagem de navio, onde seu ex-vizinho Henrique, ex-companheiro da oficina onde trabalhou quando garoto, foi apanhá-lo, com a mulher, e hospedá-lo em sua casa no sencillo bairro Vila Prudente, em São Paulo.

Dia seguinte, sexta-feira, Zaragoza encontrou nos classificados de jornal várias
5 Franco siempre dejó en claro que no creía en la reconciliación y persiguió sistemáticamente a sus adversarios. (...) Miles de exiliados partieron para América Latina (...) Franco odiaba a los comunistas, a los masones y a los liberales y defendía la fe católica y los valores del Imperio Español (...) Se refería a la independencia de las últimas colonias españolas (Cuba, Puerto Rico y Filipinas) como "el desastre" y relacionaba a la izquierda con el mismo demonio. (...) Según rezaba el escudo de armas nacional, España era (o debía ser) UNA, GRANDE Y LIBRE. (GONZALEZ, 2000.)



ofertas de emprego para fotógrafo. Foi ao centro da cidade com o conterrâneo e acabou conseguindo colocação em um estúdio chamado Fotolabor, de um alemão - Werner Habercrome - onde passou a fazer fotos, ampliações, revelar e fixar: " tinha as unhas sempre pretas, tingidas pelo fixador", ele conta. Mas o serviço que mais gostava, mesmo, na Fotolabor, era ampliar as ilustrações para os layouts da agência de propaganda J.W.Thompson, encomendadas por outro alemão, Munch, chefe do departamento de arte-final.

Ilustrador de mão-cheia
Analise-se os espaços dos possíveis para Zaragoza nesse exato momento histórico de 1953. Ser estrangeiro nesse período, no Brasil, era bastante comum na São Paulo de então. Só no mundo bem próximo ao seu, cotidiano, Zaragoza já podia contar cinco imigrantes: dois alemães - seu patrão e o chefe de estúdio da Thompson, mais três catalães - ele, o amigo e sua mulher. Ser estrangeiro no campo da publicidade, então, era ainda mais comum, pois no começo da década de 50 a publicidade brasileira apenas iniciava a formação técnica dos seus profissionais, na recém fundada Escola de Propaganda, que funcionava como curso de um ano dentro do Museu de Arte de São Paulo, em sala cedida por Assis Chateaubriand. Naquela época, os professores de publicidade no Brasil eram, de fato, os gringos das já profissionalizadas agências americanas aqui presentes, como Thompson e McCann.

Havia, ainda, mais outro claro espaço dos possíveis para Zaragoza: os anúncios publicitários da época não usavam fotografia, mas justamente aquilo que ele sabia fazer e tinha se aperfeiçoado, na Escola Las Lonjas de Barcelona: arte. Ou seja: havia na estrutura do campo uma lacuna onde se encaixava o capital cultural específico do habitus de Zaragoza. Projetado esse talento para a publicidade contemporânea, por exemplo, onde os layouts são todos digitais e qualquer diretor de arte tem acesso pela internet às boas fotos clicadas em qualquer lugar do planeta, por banco de imagens, Zaragoza teria infinitamente mais dificuldade para empregar o seu talento.

Em 1953, seis meses depois de atracar em Santos, Zaragoza juntou seus desenhos, ilustrações e algumas capas de livros que tinha criado em Barcelona, para uma gráfica, e foi bater na porta do alemão Munch, na Thompson. Munch levou seu portifolio para o chefe dele, um inglês de nome Eric Nice, que gostou dos trabalhos e contratou Zaragoza naquele mesmo dia como seu assistente de arte. Começava ali a incursão definitiva do terceiro Zaragoza, no mundo da criação publicitária, pelas mãos de Eric Nice, o diretor de arte que Roberto Duailibi, em seu depoimento no livro Layoutman (2003:14) chama de " o pai de todos".

Há, ainda, mais um espaço dos possíveis objetivo, transparente lacuna estrutural que o historiador Roger Chartier ( 2002) reputa como relação visível, citando Bourdieu, em oposição às relações abstratas do habitus: na hierarquia do campo da publicidade, em 1953, no Brasil, o papel de dominante era ocupado pelos contatos, os profissionais do atendimento, conta Duailibi ( 2003:14). Pela ordem, depois dos contatos vinham os redatores, que trabalhavam isolados e criavam não apenas o texto mas a idéia visual do anúncio que, na etapa seguinte, em separado, lá na chamada Sala de Arte, seria humildemente obedecida sem questionar pelos layoutmen, os últimos da cadeia alimentar, relata Duailibi - ele, mesmo, um redator formado em Sociologia:

Os layoutmen eram, em geral, pessoas modestas, saídas das oficinas gráficas, cuja única tarefa era dar uma certa disciplina visual ao texto criado pelos intelectuais da profissão, os redatores. Estes constituíam uma casta à parte, jornalistas ou ex-jornalistas, mas todos escritores com o grande romance da língua portuguesa guardado em suas gavetas e um plano para salvar a humanidade. Não se misturavam com os layoutmen, criaturas de limitados dotes intelectuais que ao fim do expediente iam jogar sinuca, faziam um bico em algum jornal de bairro ou voltavam de bonde para suas casinhas num bairro distante onde eram recebidos para jantar por suas esposas gordinhas. Alguns eram também ilustradores e " marcavam" layouts. ( DUAILIBI, In ZARAGOZA, 2003:14-18. )

José Maria Martinez Zaragoza podia ser tudo. Menos modesto. Mesmo morando agora em uma casinha simples perto do subúrbio de Itaquera, na Vila Nova Manchester, e indo trabalhar de ônibus, o catalão estava mais para prudentemente estratégico do que para humilde. Ele sonhava ascender na carreira, mas Eric Nice não o promovia a diretor de arte e ele continuava a fazer apenas as suas ilustrações. Era o ano de 1955 e o estratégico Zaragoza vislumbrou a sua oportunidade em uma crise: um anúncio do absorvente higiênico Modess que o atendimento não conseguia aprovar com a Johnson & Johnson. Ele, que apenas passava a limpo as criações de Eric Nice, resolveu então criar um anúncio sozinho:



Uma noite, criei o anúncio em casa. No dia seguinte levei para a agência, que o apresentou ao cliente. Finalmente, ele aprovou um trabalho e eu fui promovido a diretor de arte. Virei o queridinho da Thompson, o "enfant gâté" da agência. ( ZARAGOZA, 2001)


O anúncio, com fundo amarelo, mostrava a ilustração em preto e branco de uma mulher em um requintado vestido longo de baile tomara-que-caia, com luvas e colar, cujo título dizia: Para ela sempre o melhor! E o texto, uma torrente superlativa: O melhor em modas!....O melhor em confôrto!...E, sem dúvida, o melhor para os cuidados íntimos. Por isso ela prefere Modess. Absolutamente seguro. Divinamente confortável. Invisível mesmo sob os mais colantes vestidos. Fantasticamente absorvente. E para seu recato pessoal, uma vantagem que não tem preço: não é preciso lavar! Usa-se ....e joga-se fora. ( No final, um reforço, ao lado da embalagem do produto.) Custa caro? Certamente, não! Menos que um simples vidro de esmalte!...É tão fácil de comprar - basta pedir Modess.

Como Picasso,  ficou jovem até morrer
A conquista desse importante capital simbólico por Zaragoza certamente adquiriu valor ainda maior porque naquele momento ele conseguiu tratar com rara finesse um assunto tão tabu na sociedade da época, de extremo recato, quando o ciclo menstrual era discretamente controlado pelo uso de antiquadas toalhinhas laváveis e as mulheres não apenas se afastavam indispostas de suas lides diárias - naqueles dias - quanto mais postarem-se de chiques e dispostas a um baile tal qual a dama da ilustração. O anúncio era, de fato, muito moderno.

Conforme observou Renato Ortiz ( [1988] 2006: 28-37) em seu A moderna tradição brasileira, o conceito de modernidade, no Brasil viveu primeiro o papel de " ornamento" cultural - nascido do desejo burguês de pertença ao mundo civilizado, surgido no discurso antes da prática sócio-econômica - e por isso teria também andado de mãos dadas com a cultura de mercado, sem culpa nem contradições, onde os chamados " intelectuais" - entre os quais seria até possível enquadrar Zaragoza e seus pares - atuavam " dentro da dependência da lógica comercial" até com um certo orgulho, porque se sentiam atrelados ao tecnológico, ao civilizado, ao industrializado, ao moderno primeiro mundo. Ortiz ( 2000) ressalta que no Brasil, os meios de massa historicamente foram usados como legitimadores das obras artísticas, já que seus autores - como os escritores, por exemplo -, valiam-se dos seus emprego no jornal, tanto como fonte de renda quanto como fonte de prestígio, na falta da institucionalização de um campo literário propriamente dito.


Em 1955, o Brasil se recuperava do choque do suicídio do presidente Getúlio Vargas, e elegia Juscelino Kubitscheck. Juventude Transviada fazia sucesso nos cinemas, com James Dean, que virava o símbolo da rebeldia (sem causa) dos anos 50. A Indústria Cultural tomava posse do rock and roll, nascido para contestar. A televisão no Brasil completava 5 anos e a Sony fazia chegar aos lares um pequeno milagre da tecnologia: o rádio portátil. Duas atrizes encarnavam o tipo ideal de mulher com suas formas generosas: Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, mistura de sensualidade com ingenuidade. No cenário internacional, Estados Unidos e União Soviética disputavam uma Guerra Fria pautada pela corrida espacial. E produtos como Walita e G.E. chegavam para aliviar o trabalho doméstico:

A tradição e os valores conservadores estavam de volta. As pessoas casavam cedo e tinham filhos. Nesse contexto, a mulher dos anos 50, além de bela e bem cuidada, devia ser boa dona-de-casa, esposa e mãe. Vários aparelhos eletrodomésticos foram criados para ajudá - la nessa tarefa difícil, como o aspirador de pó e a máquina de lavar roupas.(...) Ao final dos anos 50, a confecção se apresentava como a grande oportunidade de democratização da moda, que começou a fazer parte da vida cotidiana. Nesse cenário, começava a ser formar um mercado com um grande potencial, o da moda jovem, que se tornaria o grande filão dos anos 60. ( GARCIA, Claudia)



A moda jovem trazida pela camiseta branca de Marlon Brando em Um bonde chamado desejo e o jeans de James Dean em  Juventude Transviada traduziram-se na carreira de Zaragoza em uma memorável campanha de calça de brim da marca Far-west para jovens de ambos os sexos, com o título: " Todo mundo é gente moça quando a calça é Far-west". Recém ali, no final dos anos 50, a gente moça do Brasil começou a ter permissão social e cultural para se vestir diferente da gente adulta.

De queridinho da Thompson à marca do Z


Em 1957, quando o prefeito de São Paulo Jânio Quadros proibiu o rock and roll nos bailes, por despudorados movimentos pélvicos, Zaragoza já tinha outros planos. Ungido agora por poderoso capital simbólico e razoável capital econômico, pede a Eric Nice que o libere para passar um tempo dirigindo arte no escritório Thompson de Nova York. A essas alturas, Zaragoza já havia granjeado o respeito e a admiração dos seus pares pelo seu trabalho e também pelos escândalos que armava enfrentando os todo-poderosos contatos. Duailibi ( 2003) é quem relata:

Com vinte e poucos anos de idade, Zaragoza já era um mito, pelo menos dentro da Thompson. Era o único layoutman ( como se chamavam então os diretores de arte) que enfrentava os contatos, donos supremos da verdade, juízes do que era bom ou era ruim, intérpretes infalíveis das vontades dos clientes. (...) Zaragoza era respeitadíssimo porque tinha coragem. Ficara famoso por sapatear em cima de uma mesa sobre layouts recusados que uma secretária viera lhe devolver. (DUAILIBI, In ZARAGOZA, 2003:14-18 )


O que Bourdieu ( 1996) chama de construir capital simbólico pelo poder de dizer coisas com palavras, de fazer crer, Zaragoza conquistou para os criadores publicitários das artes com o seu pasodoble andaluz. Duailibi (2003) confirma o desvio:

Suas explosões, sua intolerância com a recusa sem justificativa, sua impaciência com contatos que levavam layouts aos clientes e não defendiam as idéias. Esse tipo de atitude começou a se espalhar dentro da Thompson e por ser tão inédita e tão chocante, espalhou-se por outras agências. gerando uma verdadeira revolução na maneira de trabalhar de toda a profissão. Acabava -se aquela atitude arrogante do contato que dizia " I have the cliente in my back pocket ". (DUAILIBI, In ZARAGOZA, 2003:14-18 )


Casamento de mais de 50 anos 
Duailibi inclusive faz uma clara diferenciação entre o que chama de " layout commodity" e " layout-arte", na época, referindo-se à visível superioridade do trabalho realizado pelo artista plástico Zaragoza que, tudo indica, tinha plena consciência de não ser um layoutman-commodity e, portanto, não permitia ser tratado como tal:

O Zaragoza logo se tornou muito conhecido porque, primeiro, ele sempre foi um homem muito bonito, dançava flamenco para as secretárias nos corredores da Thompson e tinha a coragem de contestar os clientes e os contatos. Se o contato aparecesse com um leiaute que não tinha sido aprovado pelo cliente, ele rasgava o leiaute na frente do contato. Então, começou também a ser esse relacionamento estranho, porque era um layoutman que enfrentava o contato, que era o máximo de autoridade dentro da agência. O pessoal começou a respeitá -lo e começou a assumir o compromisso de não voltar com o leiaute recusado. Porque o leiaute era uma commodity. Vai fazendo aí até o cliente gostar. E já o leiaute como obra de arte (...) ( DUAILIBI, 2005.)



Em 1957, liberado por Eric Nice, Zaragoza foi para Nova York. Foi, viu, venceu mais ou menos, porque só lhe davam anunciozinhos classificados para criar, mas ele conta que divertiu-se, conheceu fotógrafos famosos, morou em Manhatan, criou algumas peças para Ford e até uma campanha como aquela de Modess - feita da noite para o dia - salvando a pátria da criação da agência nova-iorquina, para uma companhia de cruzeiros sofisticados de navio, dessa vez, ilustrando os anúncios com as lembranças na memória de sua viagem de imigrante para o Brasil, quando espiava de longe o sofisticado mundo da Primeira Classe.

Um dia, ele teve certeza: mesmo que morasse dez anos em Nova York, seus colegas americanos jamais deixariam de chamá-lo porto-riquenho. Não realizavam que ele era europeu. Quando foi comunicar ao presidente da agência Stevenson que estava voltando para o Brasil, o chairman da Thompson se supreendeu: " Como? Você vai voltar para Buenos Aires?". Zaragoza tratou de arrumar uma razão mais glamurosa que a do porto-riquenho e inventou motivos verde-amarelos claramente por empréstimo:

Em português existe a palavra saudade, cujo significado você não conhece; eu sinto saudade do povo brasileiro, porque o pobre americano inventou uma coisa maravilhosa chamada blues, mas o pobre brasileiro inventou o samba. ( ZARAGOZA, 2001)


arte catalã no sangue
Antes de voltar de Nova York, Zaragoza fez um estágio de três meses na área de edição da NBC, em Hollywood, onde eram produzidos os programas patrocinados pela Lever Brothers, cliente da Thompson, e onde ele afirma que realmente começou a tomar gosto pelo cinema, semente do Zaragoza número quatro.

No começo dos anos 60, retornou ao Brasil, permaneceu um tempo na Thompson de São Paulo, experimentou a Thompson de Milão, a Thompson de Paris, a Thompson de Londres. Mas desistiu: sentia-se estrangeiro em todo lugar. Decidiu partir para um negócio próprio: um estúdio de arte autônomo que prestasse serviços para o mercado. Seu amigo Francesc Petit, também catalão e diretor de arte, que ele havia conhecido em 1953, em seu primeiro dia na Thompson, e com quem dividia por afinidade de habitus um atelier de pintura na rua Sílvia, bairro Bexiga, topou a sociedade: "vamos fazer, revolucionar!" 

Assim nasceu a Metro 3, que se expandiu criando marcas, logotipos, ilustrações, uma verdadeira consultoria de arte, como salienta o artigo escrito por Roberto Duailibi na revista Propaganda de setembro de 1962, página 14, artigo por sinal com evidente aspecto de matéria paga, onde Petit dá um depoimento que é o verdadeiro credo da futura DPZ, ao mesmo tempo em que valoriza seus layouts artísticos como se fossem " um quadro":

Trabalhando em agências, aprendemos que a arte não pode estar divorciada da realidade do marketing. No entanto, e exatamente por causa dessa realidade, cremos que o aspecto físico dos layouts deva ser estudado tão profundamente e com tanto carinho, como se estivéssemos trabalhando num quadro. Só assim, através da experiência de mercado e da experiência da arte, poderemos criar algo que dê ao produto anunciado uma personalidade poderosa, que se sobreponha`a de seus concorrentes. ( PETIT, 1962:14)
Os DPZs, quase 50 anos depois.
Começava ali a história da agência que o redator Neil Ferreira chamaria depois de a mãe de todas as agências: a DPZ, de Duailibi, Petit e Zaragoza:


Hoje, quem está tentando romper os limites, ou trabalha na DPZ, ou trabalhou na DPZ ou está de olho na DPZ. ( FERREIRA, In ZARAGOZA, 2003: 22.) <> ( Graça Craidy)


OBS: Este artigo faz parte da minha dissertação de Mestrado que defendi em abril de 2007, na FAMECOS PUCRS, sob o nome Do porão ao poder.

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A DEPRESSAO DA SEXTA-FEIRA SANTA.

Na sexta-feira santa era praticamente proibido existir. 
Na minha infância em Ijuí, a sexta-feira santa era um dia pra esquecer. Triste, silenciosa, deprimida, suicidada de si.
A sexta-feira santa feria a minha infância com lança de romano e corda de judas. Era proibido sorrir, brincar, correr, falar alto. Praticamente, era proibido existir. Como se o ano ficasse em suspenso, pendurado no calendário, esperando desesperadamente pelo sábado.
A sexta-feira santa da minha infância era pintada de roxo, como os panos que enfeitavam a igreja, cobrindo os santos e as galas. Roxo de tristeza dum pai fazer isso com um filho. Roxo de vergonha do dedo-duro do judas e do dedo pra cima pró Barrabás. Roxo da ladainha do ato de contrição meu-jesus-crucificado-por-minha-culpa.
Minha culpa?- eu pensava. Mas eu nem estava lá, nem conhecia esse cara!- me indignava. Claro que eu só pensava, não dizia, prudentemente adivinhando que levaria uma latida, uma rosnada, quiçá um tapa na orelha pela heresia.
A sexta santa tinha cheiro de incenso. Na minha imaginação, algo que vinha diretamente das profundezas do inferno, eu podia adivinhar que o inferno devia malcheirar assim, acremente, arranhando as narinas e as tripas.
A gente olhava ao redor e os adultos estavam lá, todos fazendo cara de triste. Meu Deus, eu pensava, mas quanto tempo faz que esse Jesus já morreu e o povo ainda fica assim? Credo!
Nem o velho amigo Hitachi sorria. As rádios passavam o dia tocando música tão triste que, caso você ainda estivesse um tiquinho alegre, acabava por ficar deprimido, de vez, dado que eles pegavam pesado na escolha do repertório e o querido ouvinte, nem que não quisesse, se ia juáaaa tristeza abaixo.
A única coisa feliz da sexta-feira santa é que era o único dia do ano que meu pai cozinhava. Ele expulsava todo mundo da cozinha e lá ficava preparando um panelão com a sua famosa e deliciosa moqueca à João Craidy, que misturava o norte e o sul em um ensopado com peixe pimentão batata cebola tomate e azeite de oliva de lamber os beiços. Bendito paizinho! Salvava a gente de morrer por completo naquelas sextas feiras prozaquentas.
Afora isso, a gente ficava, pra lá e pra cá, feito pêndulo do relógio da sala, torcendo praquela pretura de dia acabar logo e chegar o domingo da páscoa quando, enfim, todos ficavam alegres porque, afinal, o coelhinho tinha ressuscitado e trazido muitos ovos pra gente finalmente poder ser feliz de novo.
( Graca Craidy)
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