Artigo: Pierre Lévy, o Diderot-D'Alembert do século 21.



A palavra "otimizar" - da língua da produção, do business, do mercado que persegue visceralmente a chamada excelência de desempenho para garantir eficiência e lucro aos seus acionistas - freqüenta o discurso epistemológico do filósofo francês nascido na Tunísia Pierre Levy, sem nenhum pudor acadêmico.

Otimizar traduz a sua ambiciosa utopia de inteligência verdadeiramente coletiva, de "todos para todos": criar uma espécie de enciclopédia semântica tão gigantesca, tão abrangente, tão plural, que consiga abarcar toda a diversidade de significados das multilínguas, multietnias, multiculturas do planeta.

" O que nos diferencia do homem pré-histórico?" - pergunta Lévy ( 2007a). " A memória acumulada" - ele completa. "O salto vem da memória".

Por isso Lévy (2007a) projeta em um futuro bastante próximo, - 2015, segundo seus slides - uma "máquina sintática universal", com capacidade para fazer arranjos e rearranjos de significantes no ecossistema da memória simbólica da humanidade, sintetizando complexamente diversidade com universalidade, ao cobrir infinitos caminhos semânticos, diferentes pontos de vista sobre a realidade, sem excluir nenhum olhar.

Assim, um novo sistema de significantes com coordenadas universais conterá a imensa memória mundial, indexando todo o conhecimento.

Seu raciocínio é evolutivo. Lévy ( 2007a) toma distância no tempo para trás a partir da descoberta da escrita até a web de hoje, e entende que no próximo degrau evolutivo, a rede mundial passará de um estado atual lógico, binário, leitora de cadeias de caracteres e de interconexão de dados, a um estágio superior hermenêutico, de web semântica, de interconexão de conceitos.

Historicamente, a posse da informação sempre significou a posse do poder. Dos mistérios guardados a sete chaves da Igreja Católica à democratização da leitura da Bíblia permitida pela Reforma de Lutero aliada à descoberta de Gutemberg, conhecer significou literalmente dominar, intermediar, evoluir, enriquecer.

No século 18, os intelectuais filósofos iluministas D'Alembert e Diderot criaram a "Encyclopédie", com 35 volumes e milhares de verbetes que continham todos os dados sobre as ciências naturais e humanas da época. Essa supermega enciclopédia tinha a missão de democratizar o saber, permitindo surgir o "cidadão esclarecido", que substituiria a fé, a superstição, o êxtase religioso e a repressão dos governantes absolutistas pelo conhecimento, pela capacidade de raciocínio autônomo e pela auto-responsabilidade.

Três seculos depois, em plena era da internet, outro francês luta por uma nova enciclopédia, milhões de vezes mais abrangente que a de Diderot e D'Alembert. Na utopia de Lévy (2007a), é imensurável o quanto de poder será democratizado agora com a multiplicação de conhecimento provocada por essa nova espécie de enciclopédia universal onde todos terão acesso à informação desintermediada.

Mas não se trata apenas de quantidade. Melhor seria dizer de busca de uma linguagem universal, espécie de - como chama o próprio Levy - "esperanto digital" organizador do caos da web 1.0, que nutriu a rede de uma quantidade enorme de dados sem hierarquia; ou, também, do aperfeiçoamento da web 2.0, que aumentou a interrelação, a produção coletiva de conhecimento. A web 3.0 estaria mais aparentada com o quesito relevância e com a cada vez mais apurada customização da navegação, buscando a universalidade do conhecimento. Sai o mero dado, entra o conceito.

A web semântica extrapolaria a simples resposta adicionando respostas inteligentes, relevantes, baseadas em navegações anteriores, em categorias registradas na sua memória, em recombinações e associações que façam sentido ao usuário como já se vê hoje em início de operação, no Facebook. Feito a rede soubesse antecipadamente, adivinhasse o que o internauta deseja.

A grande dificuldade para essa " inteligência possível no século 21", segundo Lévy (2007a), é o que o filósofo Edgar Morin (2004) chama de " separação dos saberes": a falta de sinergia entre as disciplinas, cada saber tentando preservar a última fronteira da sua competência para justificar a sua existência isolada.

Lévy (2007a) explica que não há como encontrar a universalidade na diversidade se as ciências, principalmente as ciências humanas, não estabelecerem um consenso sobre as suas noções, buscando
uma mesma língua multidisciplinar, um mesmo sistema de coordenadas.

Ele elogia as ciências da natureza onde, por exemplo, oxigênio é sempre " O2". Já a categoria "comunidade", desafia Lévy (2007a), é problemática, porque suscita as mais variadas explicações e sistemas de medidas, do psicólogo ao antropólogo, do sociólogo ao historiador, com diferentes noções e valorações.

A função do intelectual.
Fiel à sua histórica posição de integrado às novas tecnologias, Lévy sustenta a sua indefectível fé na web e no homem, principalmente no homem dito por ele "intelectual".

Ao intelectual, ele atribui o papel orgânico neogramsciano de influir no destino da humanidade, pela "otimização do conhecimento" que circula na rede mundial de computadores.

Na Revista Famecos #33 ( 2007b:13), Lévy reitera, inclusive, que, em todas as culturas, o grande papel dos intelectuais é o de estudar os sistemas simbólicos com os quais as comunidades vivem em simbiose e preservar a sua articulação, seu bom andamento e seu aperfeiçoamento.

"A digitalização dos documentos, sua interconexão em um espaço virtual ubiqüitário e as possibilidades de tratamento destes documentos anunciam uma mutação cultural de grande amplitude (...) Mais do que assistir de fora esta mutação, os intelectuais devem, na minha opinião, tomar a dianteira" (2007b:14), afirma Lévy.

Para ele (2007b), os intelectuais são como os "luthiers" - artesãos que constróem instrumentos musicais - que produzem, mantêm e aperfeiçoam o intelecto possível, a instrumentação simbólica, das comunidades pelas quais trabalham (2007:17).

No século 21, Lévy conclama a que esses luthiers de agora instaurem uma " quarta camada" na web , a da " noosfera" - para usar o termo de Teilhard de Chardin, que significa "esfera da mente/consciência humana coletiva" - chamada por ele de "camada semântica" (2007b:20).

Otimista, não. Anti-ceticista
Uma ala dos teóricos das ciências humanas critica o trabalho de Lévy, por razões tão diversas quanto comprometidas. Aos frankfurtianos que o acusam de ingênuo, "levy-ano", otimista e totalitarista, Lévy (2007a) contesta, apoiado em Karl Popper e sua condenação do ceticismo, afirmando que não é um otimista, mas um anti-ceticista.

Ele ressalta que sua busca do universalismo nada mais é que uma busca de apreender "uma unidade subjacente que traduza a diversidade". E aproveita para devolver a crítica aos céticos que o criticam, afirmando popperianamente que com o cético não se aprende nada, pois o ceticismo nunca precisa provar nada, é apenas e meramente a negação.

" Não é suficiente que os homens troquem muitas informações para que se compreendam melhor", refuta o sociólogo Dominique Wolton( 2004:150), em resposta à inundação de dados na internet que Lévy elogia. "São os planos culturais e sociais de interpretação das informações que contam, não o volume ou a diversidade dessas informações", explica o elétrico Wolton. E joga mais um dardo: " Qual experiência da realidade sobra quando a atividade econômica, social, cultural, escolar é reduzida à gestão de signos?" (2004:155).

Mas, aos que como Wolton o acusam de mitificador do poder da internet como cimento social, indutor de que informação é o mesmo que comunicação, sem alertar sobre os perigos da ausência de regulação, da desprivatização, do panoptismo, da homogeneização, ou, ainda, de uma verdade sem doma que troteia nas estradas digitais, Lévy (2007a) responde, bem mais generoso do que seus detratores, que a idéia de uma única verdade é que é totalitarista, não a dele que busca abarcar toda diversidade. E mais: que a variedade e a multiplicidade das fontes é muito mais favorável que desfavorável à verdade.

Lévy (2007a) afirma, ainda, que a internet não é um meio de supressão do erro, mas um meio poderoso de busca da verdade, e ressalta que a verdade, aliás, não só na internet como em qualquer outro meio, é sempre ilusória, porque processo. E encerra, mais pós-modernamente, impossível: - " Qual a verdade? A verdade é a verdade que interessa a você".

REFERÊNCIAS:

LÉVY, Pierre - Anotações do seminário IEML ( Information Economy Meta Language) for transformative knowledge management - ministrado na PUCRS,agosto, 2007a

LÉVY, Pierre - A inteligência possível do século XXI, in Os intelectuais e as novas tecnologias, Revista FAMECOS, Mídia, cultura e tecnologia, # 33,p. 13-20, agosto 2007b

WOLTON, Dominique - Pensar a Internet, in MARTINS, Francisco Menezes et SILVA, Juremir Machado da, A genealogia do virtual, Comunicação, cultura e tecnologias do imaginário.Porto Alegre: Sulina, 2004.

(Graça Craidy)

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A morte pede carona e um cálice de vinho tinto.

Quem nunca na vida se sentiu tentado a responder a um anúncio de "encontre a sua alma gêmea", levante a mão! Pois eu não apenas me entreguei vilmente à tentação. Respondi. E saí correndo pro abraço.

Os anúncios de gente procurando gente saíam na Folha de SP, todas as quintas-feiras, pedaços de esperança preto e brancos pingando desejos de afeto e ânsias de finais felizes, publicados ali por almas tímidas, cansadas, preguiçosas, solitárias, safadas, curiosas ou, mesmo, até, entediadas.

Um por um, devorei todos os "procura-se" daquele Classline, com atenção e desvelo, quem sabe ali o meu príncipe? O que me cativou não pedia medidas, nem obstava cigarro, desimportava-se de faixa etária, não exigia tardes livres, tampouco demandava religiosidades estranhas, cor de cabelo específica, sequer concluía o anúncio com a odiosa advertência: dispenso celular.

Era um texto leve, espiritual, naif inclusive, permeado de pieguices de almas gêmeas, pôr de sóis, viagens de mãos dadas pela vida. No meio de tanta carne, carne, carne, decidi pelo Romântico de Sampa.

Bem verdade que o achei um pouco velho pra mim: 55 anos, sabe-se lá de que jeito a criatura se cuidou para cruzar os 50? Do alto dos meus 40, imaginei que poderia administrar a diferença, afinal - e lá vinha eu com meu indefectível e arapuquento discurso humanista - o importante é o interior!

Liguei para a caixa postal que constava do anúncio, deixei o recado: - olá, vi seu anúncio no Classline, gostaria de conhecer você, por favor, me telefone.

Liguei e fui viver minha vida. No sábado, adivinhe? Romântico de Sampa ao telefone. Boa prosa, voz mansa, ficamos ali de gentilezas mútuas pra lá e pra cá, falando de nossos sonhos, gostos, desgostos e perepepês pra mais de duas horas, entre eles, o quanto ele gostava de vinho. Ah, eu também! Será que poderíamos tomar um vinhozinho, resgatar o tempo perdido?

Tempo perdido? Homem, quando separa, é tudo assim: Lázaro recém-ressuscitado.

Seduzida pela propaganda de seus pretensos dotes culinários, cometi a dolorosa imprudência de aceitar a proposta do Romântico para vir à minha casa cozinhar o almoço de domingo. Sei lá, nem me ocorreu que um homem aparentemente inofensivo como aquele pudesse me fazer mal. E depois, era de dia, solzão fora. Ninguém comete crimes à luz do dia, eu pensava, com minha cabecinha ingênua classe-média cristã interiorana que imagina o negror dos tempos só depois que o sol se esconde.

No domingo, tomo banho, me visto com discrição, nada de decotes e roupas apertadas, abro um vinho tinto seco, fico ali aguardando Marcílio - esse era o nome dele! De antemão me preparo pra dar-lhe dois amistosos tapas nas costas - Olá, amigo! - caso não me agradasse de sua figura, atitude que vinha me salvando vida afora, toda vez que eu não queria ferir os brios de algum galante admirador cujo não bolisse com meus hormônios.

Campainha. Abro a porta. Ali mesmo, na soleira, já me saltou na mente, em letras bem garrafais: - não! não! não! nem morta! nem que fosse o último! E, em seguida, outro estóico pensamento: - a tarde vai ser longa...muito longa...

O homem era um velho. Não tem outra palavra pra dizer. Um velho, credo! Como que um filhodaputa fica velho assim com 55 anos? Deve ter mentido a idade. Eca! Eu que não queria beijar aquela boca de velho, meio tremelico, sabe aqueles que o olho molha por qualquer bobagem? Ai, a tarde ia ser longa, sim.

- Tenho certeza que eu adoraria beijar a sua boca! - foi a primeira frase que o homem falou, olhando pra mim com a doçura de três latas de leite condensado e, ao mesmo tempo, um arzinho generoso de quem me concedia a honra destes dons tão privilegiados: o de beijar aquela sua boca que - mal sabia ele! - me repugnava, e o de eu ter atendido com louvor aos anseios da sua exigente libido.

Fiz que não ouvi sua proposta irrecusável, dei uma sorriso amarelo e, sem mais delongas, convidei, num falso tom efusivo: - vamos entrando, Marcílio! Tudo bem com você? Achou fácil o caminho?

(Não queria nem dar os tais tapinhas nas costas dele, pra não ter o desgosto de encostar.)

Bem-educada que sou e sabedora de que aquele situação-mico era conseqüência da minha mais pura inconseqüência, tratei de cumprir o meu papel de anfitriã com polidez e sangue-frio. Afinal, o homem não tinha culpa de ser velho! Eu é que era uma louca de me arriscar assim.

Ofereci vinho, acepipes e entabulei com ele uma conversa comprida cheia de ha-ha-has e não me digas. Àquelas alturas, eu faria qualquer coisa pra ampliar meu repertório de entretenimento à visita, desde que ela não chegasse perto de mim. E fiquei ali a beber meu vinhozinho, agarrada à taça de cristal como a um escudo pra manter a recomendável distância de pelo menos dois metros do tal Marcílio.

Foi eu levantar pra pegar não sei o quê na cozinha e ouço um baque surdo de corpo batendo no chão. Rapidamente me viro e dou de cara com o velho caído de costas no piso de cerâmica da sala, os olhos fechados como se estivesse morto, o corpo inerte, só o cálice escapulido de sua mão ainda rodando melancólico em direção ao tapete.

"Homem morre em casa de publicitária". Eu já via a manchete em todos os jornais do dia seguinte. Um segundo de pavor e corri me abaixar perto de Marcílio, sacudindo seus ombros e gritando: - Marcílio! Marcílio! O que aconteceu, pelo amor de Deus! Levanta, homem! Ai, meu santo, o que eu faço agora?

Marcílio não movia um músculo, não mexia um cílio, o desgraçado! E eu ali, morta de susto. Pálido, transparente, gelado, o corpo dele parecia de chumbo, era um cara corpulento. Tremendo dos pés à cabeça, enfiei meus braços por trás de seus braços e, a duras penas, joguei-o no sofá como se fosse saco de batata grande demais pras minhas forças.

Ele meio que reagiu, balbuciando coisas ininteligíveis, ainda de olhos fechados. Corri molhar uma toalha e passar em seu rosto, rezando para aquele pesadelo acabar logo, para aquele homem acordar e sumir da minha vida, meu Deus do céu, eu não sabia nem o sobrenome daquela criatura, quanto mais onde morava, muito menos a quem recorrer, de sua família, se o caso fosse sério mesmo.

Aos poucos, ele foi voltando a si, e quando finalmente ficou dono de novo dos seus sentidos, confessou envergonhado ser proibidíssimo de beber pelos médicos, porque o álcool acionava sei lá o quê em seu organismo e ele desmaiava. Se o filhodaputa não podia beber, por que veio fazê-lo justamente na casa de uma desconhecida?

Agora, eu é que queria matar o homem. De ódio, de raiva, de alívio, de putaqueopariu, que sorte a minha, obrigada, meu Deus!

Ninguém acreditaria, mas ainda tive a pachorra e a delicadeza de esperar Marcílio fazer o tal almoço que havia prometido e insistiu muito, pra se redimir - dizia ele - de ter me exposto a tamanho susto e vexame. Aceitei. Entendi que ele precisava daquele resgate da sua dignidade. Eu não podia chutar o pobre como se fosse um cachorro sarnento. Coitado!

Foi dos mais longos e tenebrosos exercícios de tolerância que já fiz em minha vida. Não tive coragem de botar porta afora aquele homem velho, cambaleante, com pena da sua fragilidade e, também, receio de que batesse o carro dirigindo.

Comemos, conversamos em voz baixa, eu gelada por dentro, Marcílio com aquele olhar de cão surrado. Até que ele se despediu e foi embora, na saída ainda tentando me fazer juras de amor, o sapo.
(Graça Craidy)
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Morin: Amai-vos uns aos outros, assim na terra como na terra.

Taquicardia. É isso o que se sente ao ler Terra-Pátria. Nesse livro fino mas cortante, o vieux diable Edgar Morin - em parceria com a jornalista Anne Kern - vai descolando um por um todos os band-aids ramelados que cobrem nossas feridas de perdidos humanos pós-modernos.

Ao mesmo tempo em que expõe a artificialidade, a pressa, o oco, a solidão, a tecnobarbárie, o consumismo, a demência, a progressite, a sem-razão de nossas vidas contemporâneas órfãs de futuro, Morin vai também soprando amorosamente seu pensamento complexo em nossa angústia, aliviando um pouco o que chama freudianamente de “mal-estar da civilização”, com sua proposta desviante, poética e humanista de fraternidade planetarizada.

Onde Baudrillard termina, Morin começa. Para salvar o planeta e o homem de um destino catastrófico antecipado, ele sonha com “o melhor possível” de uma re-hominização: transformar a Terra na pátria mãe gentil de uma nova humanidade evoluída – ainda que sapiens-demens e destinada a incertezas – não mais habitante de nações, mas costurada sem fronteiras por uma consciência complexa que respeita o diverso e reconhece o uno da espécie.

“A nação esgotou a sua função histórica de emancipação dos povos”– diz Morin, enfatizando que os problemas hoje “dizem respeito ao planeta, não às nações” e que, acima de tudo, não somos nação, etnia, mas humanos.

Observador sensível e independente, ele aponta vários possíveis motivos do caos atual. Para começar, acusa a tecnociência de “ núcleo e motor da agonia planetária”, o desregramento econômico de reducionista, cego ao não-econômico, e o mito do desenvolvimento happy-end de “ subdesenvolvido”.

Com sua “ lógica da máquina artificial” que ignora o ser concreto e complexo, os donos economicistas e tecnocientíficos do mundo contemporâneo roubaram a poesia da vida, deterioraram as solidariedades e subjugaram o humano em sufocantes prisões racionais de especialização, cálculo, eficácia, rapidez, cronometria, “macdonaldizando” – segundo expressão de Georges Ritzer – a sociedade.

Deu no que deu. Um angustiante vazio interno que deixou o homem alheio ao seu ritmo natural, “doente de velocidade”. Um consumo histérico do presente hiperatrofiado, com “insaciável obsessão estética, dietética”, em meio à fria sensação de “perda do futuro”.

Humanos condenados kafkianamente a “dialogar com poderes anônimos” que geram uma crescente desresponsabilização e indiferença cidadãs, num mundo carente de democracia, competitivo e sem ideologia, a não ser a do lucro.

Até no amor - último baluarte - se instalou “o mal da instabilidade, da pressa, da superficialidade”, aponta Morin. Sem falar no recrudescimento do fanatismo religioso, que aproveita a vaga de felicidade e promete de novo o paraíso.

O que fazer com tudo isso? Morin pára de assoprar e enfia o dedo na ferida. Adeus, vida eterna, deus, morte e salvação!
“Precisamos tomar consciência da nossa irremediável finitude (…) renunciar radical e definitivamente à essa salvação ( …) ao falso infinito da onipotência da técnica, do espírito”.

Antes que alguém corte os pulsos, porém, ele ensina a saída: pelo prazer da “itinerância” que valoriza os momentos autênticos, da alternância “ prosa e poesia”, da fraternidade e do “viver por viver”, com amor – antídoto poderoso contra a angústia. Prosa, para Morin, é o dia a dia, a rotina, os quefazeres. Poesia é o amor, a arte, o sonho, a relação com o Outro.

Assim, ele sugere que, na “ampliação do Nós” que supera a repulsa e o medo do diferente, e abraçando todo alter ego em uma “relação matri-patriótica terrestre”,  reconheceremos no diverso, enfim, no outro ego, “ um irmão humano”.

E Morin lança um apelo-lavoisier: “Será que não se poderia degelar a enorme quantidade de amor petrificado em religiões e abstrações, e devotá-lo não mais ao imortal, mas ao mortal?” Mortais de todo mundo, uni-vos! (Graça Craidy)

Bibliografia:
Morin, Edgar, Kern, Anne B. - Terra-Pátria . Trad. Paulo Neves. Porto Alegre: Sulina. 2000, 3ª Ed.

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Morin: A chose tá mais pra Shakespeare que pra Newton, mon ami.

O Método 1: A desordem e o progresso.

Inconformado com o pensamento reducionista e simplificador da ciência clássica, Edgar Morin percorre as quase 500 páginas do 1º volume da sua coleção O Método provando por a+b que só o pensamento complexo pode explicar a natureza da natureza.

Começa questionando a disjunção entre realidade antropossocial e ciência física, a exclusão do sujeito na observação do objeto e o método cheio de certezas manipuladoras e saberes estanques dos cientistas tradicionais, que “prende todo o universo a uma só fórmula lógica”, ocultando as ligações, as articulações, as interdependências, as complexidades.

Para Morin, o verdadeiro saber científico não é nem absoluto, nem eterno, por isso deve-se ter a coragem de fazer a “crítica da certeza”, reaprendendo a aprender por meio de um novo método gerúndio, cíclico, em espiral, que abandone teorias unitárias e sínteses totalizantes e ligue - através do princípio de complexidade - tudo o que estava separado. (Não confundir com “holismo”, que Morin também abomina, acusando-o de redução ao todo em detrimento das partes.)

Apoiado na descoberta científica do poder desorganizador da energia - que se transforma mas também se degrada entropicamente - Morin ultrapassa o conceito simplificador de “ordem” que reinou “do Átomo à Via Láctea”. E detecta na natureza o princípio constante de desordem, de catástrofe, de despesa. Assim, a evolução deixa de ser apenas progresso em ascensão – como queriam os clássicos, cegos à noção de desperdício - mas degradação e construção, dispersão e concentração: “é desintegrando-se que o cosmos se organiza”.

Tudo é energia em movimento? Morin costura homem e mundo e sol, no calor complexo da termodinâmica: “não é somente a humanidade que é subproduto do devir cósmico, é também o cosmos que é subproduto do devir antropossocial”. O autor corrige outros conceitos sobre a phisis: “a vida é um sistema de sistemas”.

Segundo ele, a descoberta científica da partícula eliminou definitivamente as idéias de elemento e de objeto. Necessário substituí-las pela noção plural de “sistema” – um “campo” de interações específicas – impondo aos olhares físicos, biológicos e antropossociológicos uma nova compreensão do universo: “nosso mundo organizado é um arquipélago de sistemas no oceano da desordem”.

E sublinha, paradoxalmente moriniano “ todo sistema é um e múltiplo”, tem a missão de “organizar as diferenças” e traz em si “o fermento interno da sua degradação”. Bem como como anunciava Heráclito, em seu “viver de morte, morrer de vida”, a filosofia amparando a ciência, para horror dos cientistas ortodoxos.

O valor do observador é resgatado também por Morin: “o sistema requer um sujeito que o isole no burburinho polissistêmico”. Mas, alerta: o olhar do observador muda o estado do sistema, conforme o zoom da sua lente:

“uma bomba atômica é, (..) para o atomista, um sistema de núcleos e nêutrons; para o químico, um sistema de átomos de urânio; para o ministro, um (..) sistema da Defesa Nacional; para todos, a destruição potencial dos sistemas”.

Ou seja, “não há mais objeto independente do sujeito (…) nem observador puro”.

Quando fala dos seres vivos, Morin deixa para trás a idéia de sistema e eleva-os à categoria privilegiada de “seres-máquinas” (no sentido de “maquinantes”), contenedora das idéias-chave de ação, criação, produção, prática e poesia. Diferente – diz ele – das máquinas repetitivas ou meramente organizadoras, como o computador, por ex., endeusado pela cibernética, mas simples “artefato”, “prótese”, incapaz de, como os seres-máquinas, se auto-gerar, se auto-organizar, se consertar, qualidade elementar da menor das bactérias.

“Somos todos a Família Máquina” - brinca Morin - “em um processo que ao mesmo tempo se autoproduz, se autodevora, se auto-recomeça”. E esse auto-recomeçar - ensina ele – é causado por uma espécie de “sentinela Sísifo” que vive em nossas organizações: a “neguentropia”, um elemento que nega, rechaça a entropia, a desorganização e busca a regeneração, a reorganização.

“Há tragédia dialética em todo ser neguentrópico”- reconhece Morin. Ao mesmo tempo em que luta desesperadamente para não morrer, está, desde o seu nascimento, predestinado à morte. E, porque complexo e não simples,

“o universo é mais shakespeariano que newtoniano; o que se representa nele é simultaneamente um pastelão sem tamanho, uma fábula feérica, uma tragédia dilacerada, e não sabemos qual é o roteiro principal…”

Edgar Morin sabe que não sabe tudo. E essa é a sua maior qualidade: estimular o conhecimento que traz o desconhecido e o mistério.

O Método 2: Entre Descartes e a Escherichia Coli.

O que há de comum entre o pensamento cartesiano e uma ínfima bactéria unicelular que vive no intestino humano? Edgar Morin.

Para ele, a Escherichia Coli é mais rica de complexidade em seu comportamento e ajuda a compreender melhor a noção de vida que a racionalidade simplificadora de Descartes seguida pela ciência clássica.

No volume 2 da sua coleção O Método, Morin faz um longo passeio pelas descobertas da biologia, buscando nela o plexu, o abraço, que a enlace à antropossociologia, para explicar a vida segundo um pensamento ecologizado.

Por que a biologia? Porque é a única ciência que reconhece o “ sujeito”, no ser celular. “ O único modo de rejeitar a metafísica do mim não é negar o mim, mas biologizá-lo”, constata o autor.

Observando a organização espontânea do ecossistema, com sua diversidade, autoprodução, autonomia, acasos, retroações, hierarquias, ordens, desordens, competições, conflitos, devorações, antagonismos, solidariedades, acentrismos, repetições, egocentrismos, genocentrismos, Morin se espanta com o autofazer-se dessa máquina complexa urdida de células e tão bem regulada, que coexiste ligada pela necessidade e regida pelo ciclo solar.

E compara: “ a lógica (…) da desorganização/reorganização permanente dos seres-máquinas (..) é a mesma da eco-organização”. Para se construir – diz Morin – a vida segue um programa genético enriquecido da cultura do seu meio e da flexibilidade criativa de estratégias gerúndias que vão se inventando na luta por sobreviver, estimulando novas reorganizações nascidas do erro, do ruído, do limite, transformados assim em nova estabilidade. Que, por sua vez, vai continuar gerando, sendo gerada e se regenerando, até morrer e mutar.

Morin descobre que o egoismo produz generosidade: na natureza, tudo é voltado para si e só se ajuda o outro quando a necessidade exige que se adapte, se sujeite, se integre para não morrer, tornando-se assim, por egocêntrico, solidário “ecocêntrico”.

Morin sugere que o observador olhe “binocularmente”, para compreender, no seu paradoxo, as relações circulares da vida, seu duplo motor. Ele enfatiza o valor do individual, do sujeito:
“cada ser é singular no seu capital genético e talvez único para sempre em toda a sua espécie (...) da bactéria ao Homo Sapiens, todo ser vivo (…) se considera como centro do seu universo (…) é único para si mesmo”.

Morin sepulta a religião e qualquer outro misticismo quando arrisca dizer que tanto a alma como o espírito são físicos, animais, tal como a sua palavra de origem:
“Os termos animus e anima traem a sua origem, não transcedental mas animal.(..) O ‘animus’ não é extra ou suprafísico, emana da ‘phisis’, não se opõe ao corpo, é inseparável dele; não procede de um espírito superior, produz nos seres superiores o espírito.”

Exímio caçador de palavras, Morin se encanta com o prefixo “ RE”, transformando-o no paradigma da complexidade, porque tradutor da espiral de repetição, recomeço, renovação, reorganização, reconstrução, regeneração, recorrência, realimentação, reprodução, revolução, enfim.

E conclui, propondo na ciência uma nova racionalidade aberta para o irracional, e no planeta uma nova religião religando a hipercomplexidade: a neofraternidade, onde o amor fraterno se une à inteligência consciente para salvar a humanidade. Se phisis quiser!

O Método 3: Tico e Teco, prazer em conhecer.

Antes de esmiuçar os quefazeres do conhecimento, da inteligência, do pensamento e da consciência, Edgar Morin - como sói fazer - desanca seus tradicionais desafetos: o pensamento simplificador que expurgou “ tripas e intestinos”, e o crescimento dos saberes separados, que gerou “um novo obscurantismo” proveniente não da patuléia, mas “ dos píncaros da cultura”.

Isso posto, a primeira coisa que você fica sabendo, quando começa a ler o 3º volume da coleção O Método, é que não se pode saber tudo: “Nosso conhecimento (…) torna-se estrangeiro e estranho quando desejamos conhecê-lo”. Sabe-se que é um fenômeno multidimensional, ao mesmo tempo físico, biológico, cerebral, mental, psicológico, cultural e social, resultado de processos que se encaixam uns nos outros, entremeados, porém, de sombras e buracos negros.

Mas, Morin não se entibia. Estabelece como ponto de partida a renúncia à completude, como “ condição do conhecimento do conhecimento” e a adesão ao pensamento complexo que dialoga com todas as disciplinas, evitando as concepções redutoras do “sociólogo fazendo do conhecimento um produto social, o psicólogo, um produto psicológico, o neurocientista, um puro e simples produto do cérebro.”

E o que advém dessa junção? “ Conhecer é primariamente computar” – afirma Morin – através da tradução do real em uma linguagem de signos, símbolos e formas, que reconstrói o conhecimento noutra realidade.

O palco dessa computação é o aparelho neurocerebral - formado pelo cérebro e sistema nervoso - movido pela dialógica do “ inato, do adquirido e do construído” , resultando na união ” do conhecido e do desconhecido”.

Somam-se assim a hereditariedade com a inteligência (que Morin chama de “arte estratégica” de resolver problemas), com a curiosidade intelectual (que ele nomeia “ prazer de conhecer”), com a consciência (“ arte reflexiva”, “ cogitação”, uma espécie de upgrade espiritual da computação), com o pensamento (“ arte dialógica e de concepção”), com a cultura (mitos, crenças, teorias), e, ainda, com a imaginação e a afetividade. Tudo morinianamente “ hologramado”, entre ruídos e reorganizações.

Morin resgata também o poder da analogia – abandonada pela lógica – como inseminadora do universo real e propõe a junção da sociologia compreensiva com a explicativa, ressaltando o valor do mimetismo, de “ colocar-se no lugar do outro” para melhor compreendê-lo, não somente através da explicação distanciada do sujeito em observações mutilantes objetivas e numéricas: “a sutileza psicológica, a intuição, como diria Einstein (…) são as vanguardas da explicação”.

E, finalmente, Morin retoma o elogio do mito como inseparável da linguagem e necessário ao conhecimento, para permitir o “ comércio com os espíritos”:

“os mitos preenchem as enormes brechas abertas pela interrogação humana e, sobretudo, mergulham na brecha existencial da morte”.


Quando a certeza do saber se concretiza em solução, idéia, fórmula, há – segundo o autor, inspirado em Karl Bühler - a “experiência do Ah!” do conhecimento, erotizado pelo “gozo do coito psíquico”. Uau! Por isso, então, que conhecer é tão bão…

O Método 4: O ménage a trois de tutu marambá, quark e homo sapiens.

E lá vem Morin de novo, armado da sua indefectível espiral, do seu inescrutável nó górdio e da alegoria do holograma todo/parte/todo, para explicar a mixórdia maravilhosa do universo das idéias, defendendo como sempre a reforma do pensamento pelo olhar complexo.

No 4º volume da sua coleção O Método, Edgar Morin busca enlear mais justo ainda o cipoal do mundo científico com o antropossocial, e nos apresenta, também, com todas as sombras, fogos-fátuos e arrastar de correntes, o fascinante mundo da noosfera, apelidado assim por Teillhard de Chardin para indicar o imaginário onde moram os mitos, os deuses, as crenças, as musas, os tabus, as regras, os espíritos.

Não ria. A fauna da nooesfera é real, poderosíssima, auto-eco-organizadora e movida a energia psíquica. Morin garante:
“O mito, o deus, a idéia têm um suporte físico/energético nos cérebros humanos e concretizam-se a partir da materialidade das trocas químico-elétricas do cérebro”, garante Morin.

E é na nooesfera que cada indivíduo carrega tatuado, como um carimbo, o que o autor chama de “ imprinting” cultural, paradigmas, doutrinas, estereótipos, normalizações, que modelam suas idéias e informações e regram a construção da sua realidade, colocando a sociedade inteira como que envelopada dentro deste padrão, no qual se protege e rechaça tudo o que possa destruir seu “molde”.

Conseqüência: conhecimento engessado, sem espaço para a dialógica que, através da opinião diversa, plural, antagônica, cria condições para ampliar os saberes, inovar, desviar, evoluir.

Morin metaforiza a cultura como um megacomputador complexo que guarda na memória todos os dados cognitivos e suas normas:

“cada espírito/cérebro individual é como um terminal individual, e o conjunto das interações entre esses terminais constitui o Grande Computador”.

Persistente em sua batalha pela junção complexa dos conhecimentos, ele critica todos os ismos do pensamento simplificador: determinismo, conformismo, reducionismo, formalismo, separatismo, expertismo, corporativismo e donismo-da-verdade, tanto na intelligentsia do mundo científico profissionalizado como do acadêmico burocratizado.

E lamenta: “impossível refletir sobre saberes despedaçados”. E boceja: “ a lógica dedutivo-identitária é feita para o mecânico e para o monótono”. E ironiza: “ há mais opiniões pessoais diante de um balcão de café do que em um coquetel literário”. E, triunfante, argumenta: “ a complexidade que o pensamento pode descobrir no mundo já está nesse próprio pensamento”.

O que espanta em Morin e seu pensamento complexo é dar-se conta, afinal, que o que ele quer, na verdade, não é encontrar a verdade, mas buscá-la. (Aliás, as verdades.)

Morin não tem sede de certezas, quer beber dúvidas. Não pensa em chegar, adora é o caminho. O ato plural e complexo de buscar, duvidar, questionar, simbioticar, juntar, parasitar, imbricar, nos fará, enfim, encontrar tantas e novas verdades que nos tornaremos cada vez maiores, mais autônomos, mais complexos, deliciando-nos com o pensamento, que ele chama de “aventura”, onde a incerteza e a interrogação nada mais são que “ oxigênio para a prática do conhecimento”.

Será que isso traz felicidade? Não sei. A mim, parece bem divertido.

O Método 5: Meu bem, meu zen, meu mal.

Quase 2.000 páginas depois dos cinco volumes da Coleção O Método, é impossível não se tomar de amores pela lucidez, humildade, poesia e humanidade avassaladoras de Edgar Morin. Em mim, Morin’s forever imprinting!

Neste 5º volume, o sábio pensador francês desviscera o bem e o mal contidos no homem, com tudo de rico e genial, louco e miserável que o constrói, chamando-o de “homo sapiens-demens”.

E reescreve o capítulo do Gênese, onde não Deus, mas “ o Cosmos criou-nos à sua imagem”. Volta 7 milhões de anos e cata o início da hominização, afirmando que a linguagem e a cultura – “ o primeiro capital humano” - é que inauguram a fase sapiens do homo.

Passeia pela História, conta das sociedades arcaicas, apresenta as sociedades históricas e a criação do Estado, descreve as ascenções e quedas das grandes nações, navega com Colombo, fala das guerras e totalitarismos, dos avanços da ciência e técnica, da internet, até chegar à planetarização (que Morin sonha reverso da diáspora ancestral, uma terra-pátria, mãe generosa de todos os cidadãos do planeta, ou, quiçá, ameaçadora falta de juízo final, pela exacerbação do economicismo desumanizante e antiecológico, pela guerra nuclear ou pela intervenção no genoma a serviço de poderes escusos).

Tanta História pra quê? Pra nos mostrar o quanto ela revela a complexidade do homem, espelho do universo que o habita:

“torrente tumultuosa de criações e destruições, despesas inusitadas de energia, mistura de racionalidade organizadora, ruído e furor”.


Aliás, segundo Morin, o universo do Eu-sujeito comporta também o princípio de inclusão do Nós, onde cada ser se inclui, em sua origem, no outro, pelo exercício da afetividade ora egoísta, ora altruísta: “ a relação com o outro inscreve-se virtualmente na relação consigo mesmo”.

O autor revela o segredo das boas relações: quando o sujeito, centro de si, consegue reconhecer no outro, da mesma forma, um sujeito centro de si - não mero objeto - e ambos se respeitam mutuamente em suas semelhanças e estranhezas. (Parece tão fácil!)

Morin peregrina incansável também pela consciência. E, na consciência, revela a aterrorizante noção de morte, que “ não se limita ao momento” em que acontece, mas bruxuleia “na vida”.

Morin explica que a dor maior do homem não é o horror natural à decomposição do corpo, mas a certeza angustiante do “ aniquilamento de si mesmo” como sujeito singular, que se pensa centro do mundo e crê-se tudo, fadado ao nada.

Daí a louca invenção de mitos, ritos e religiões que aplaquem seus temores com promessas de ressurreição ou duplicações fantasmagóricas, espectros imortais de si.

Daí, também, no reino algodoado do imaginário, o alívio essencial pelo cultivo da poesia, da arte, da música, do cinema, da estética, do amor, da amizade, que nos retiram “ do estado prosaico, racional, utilitário, para nos colocar em transe”, transportando-nos histericamente a um orgásmico “ estado poético”, num “ pacto surrealista com o real”, sem o qual – diz ele – não suportaríamos o nosso destino.

“O amor é a grande poesia no mundo prosaico moderno”, suspira Morin. E a verdadeira vida - ele acredita profundamente - é a poética:

“Viver poeticamente significa viver intensamente a vida”, viver de amor, comunhão, comunidade, jogo, estética, conhecimento, afetividade e racionalidade,” viver assumindo plenamente o destino de homo sapiens-demens.”
Assinado: Edgar Morin. Profissão: humanista.
(Graça Craidy)

Bibliografia:
MORIN, Edgar - O Método 1. A Natureza da Natureza. Trad.Ilana Heineberg. Porto Alegre: Sulina. 2003
____________ - O Método 2 A Vida da Vida. trad. Marina Lobo.Porto Alegre: Sulina. 2003. 2ª ed.
____________ - O Método 3 O conhecimento do conhecimento.Trad. Juremir Machado. Porto Alegre: Sulina. 1999. 2ª ed.
_____________- O Método 4 As idéias. Trad. Juremir Machado).Porto Alegre: Sulina. 2002. 3ª ed.
____________ - O Método 5 A humanidade da humanidade. Trad. Juremir Machado. Porto Alegre: Sulina. 2002.1ª ed.

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