Um blog à beira de um prozac. Reflexões sobre pós-modernidade, criadores publicitários, artigos acadêmicos, vida real, memórias, xingamentos, declarações de amor e desaforos em geral.
Pichei, sim. Manchei o teu nome.
Era o ano de 1983. Era Porto Alegre. Era a Marca Propaganda (hoje extinta), onde eu trabalhava como redatora já há mais de seis anos.
Ansiosos por mudanças e interessados na boa relação que um certo publicitário paranaense tinha com um certo diretor de marketing do nosso cliente principal - uma certa caderneta de poupança - os donos da agência contrataram o referido publicitário do Paraná por baixo do pano, na maciota, sem contar pra ninguém da Criação. E o anunciaram, assim, do nada, como o novo Diretor de Criação.
Bafafá, diz-que diz-que, pânico, medo, será que ele vai demitir todo mundo? Enfim, aquele momento lexotan normal pré-passaralho pelo qual todo mundo que trabalha já passou ou vai passar um dia. Pois bem. O pé-vermelho em questão, no seu primeiro dia, decidido a me cooptar, me convocou para um tête-a-tête sinistro.
- Graça, vou te fazer Diretora de Criação, queres? Assim, - e ele baixava a voz, melífluo e íntimo, para meu pavor- podes pegar só o filé de criação, que tal? Tu viras Diretora de Criação e eu assumo o Atendimento. E a gente trabalha junto.
Desconfiadíssima com aquele papo aranha e aquela falsa amizade de infância, respondi desaforando: - Se eu virar Diretora de Criação, todo mundo vai pegar filé e osso, sem privilégios.
( Na verdade, eu não queria ser diretora de coisa nenhuma. Só, mesmo, do meu próprio destino, anarquista que sou desde criança.)
O homenzinho caborteiro ficou meio desenxabido com minha resposta malcriada e desdenhante de poder. Mas, disfarçou: - Bom, pensa até amanhã e me diz.
Foram as suas últimas palavras. E as minhas, também.
No dia seguinte, chefia nenhuma apareceu na agência. Mas a moça do RH, sim. Ela passava dum lado pro outro pela porta na minha sala, parava, ficava muda, agoniada. E seguia. Dali a pouco, tudo de novo. Até que eu falei:- ô, criatura, que tanto tu passa e pára, passa e pára? Vai dizer que veio me demitir? Bingo! Ela tinha vindo.
Fiquei tão pê da vida que saí correndo pra dentro da sala dos donos da agência, pra tirar satisfação. Ninguém. O sangue me fervia, eu poderia esgoelar um. Na falta, peguei um pincel atômico preto, daqueles grossos que mal cabe na mão, e pichei na parede limpinha da sala dos patrões, de fora a fora: TRAIDORES!...Não contente, entrei em outra sala da Criação e lancei ali, do Quintana, a minha praga malévola, por escrito: VOCÊS QUE AÍ ESTÃO ATRAVANCANDO O MEU CAMINHO, VOCÊS PASSARÃO. EU, PASSARINHO.
Um mês depois, peguei meu Fundo de Garantia e fui pra Nova York passear, estudar, curtir jazz. Dois meses depois, fui escolhida Redatora do Ano pela Associação Rio-grandense de Propaganda. Três meses depois, em janeiro de 84, fui pra São Paulo fazer um estágio em planejamento na Talent, com o mestre Julio Ribeiro e a mestra Mari Zampol. E só voltei 20 anos depois.
Eu, passarinhei.
( Graça Craidy)
SE VOCE GOSTOU DESTE POST, TALVEZ SE INTERESSE POR ESTE.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
DESTAQUE
Washington Olivetto, redator: o golden boy " Publicidade é a coisa mais divertida que se pode fazer vestido." Wash...
MAIS LIDAS
-
- 'Bora, Bob? - convidava Neil, neto do turco Haddad, dito Ferreira. Era pra já. Rabo abanando, o incondicional Bob - de r...
-
Até os anos 60, ser da Criação em qualquer agência de propaganda no Brasil significava ser menosprezado pelo Atendimento, ignorado...
-
Devastador. Todo mundo sai do filme Para sempre Alice com uma terrível certeza: sim, eu vou ter Alzheimer! ...
-
No meio do caminho tem um celular . Sartre que me perdoe o uso fútil de sua famosa frase, mas nada é mais representativo do inferno e...
-
Os criadores publicitários, o capitalismo e o imaginário da ditadura militar Ressaca. Naquele janeiro de 1969, ainda vigorava fresca no...
-
E ntão, você acha, mesmo, que a Gisele Bündchen lava o cabelo com o shampoo Pantene e assina a TV a cabo Sky? Ou que a Ana Maria Br...
-
Eu trabalhava na criação da J. Walter Thompson, em São Paulo, e o pessoal descolado da agência que vivia metido em boemias e aventuras gas...
-
Dissertação de Mestrado 2007 PUCRS Em 1968, o redator publicitário Roberto Duailibi e os diretores de arte Francesc Petit e J...
-
O impagável Tom Wolfe, eterno mestre do New Journalism, em seu livro A PALAVRA PINTADA (Rocco, 1975), descreve com ironia e fatos e nomes a...
-
Breu. Estamos todos destinados à eterna incompreensão. Aceite. Ou continue aí se torturando ondefoiqueuerrei. Cada um de nós é uma caixa pr...
E não mudou nadica, pelo jeito. :))
ResponderExcluirQue bela história, Barbrin! Gosto de ouvir sobre a vida das pessoas. Fatos legais e que ensinam.
ResponderExcluirUAu. Que historia!
ResponderExcluirAdorei. Sempre adorei tuas histórias. Adorei ter por onde segui-las. Te quiero!
ResponderExcluirUm beijo!
Por que não pensei nisso antes? rs
ResponderExcluirPaola Ferreira Lay escreveu:
ResponderExcluirmais do que favoritei: coloquei teu blog deliciosíssimo no meu reader, que acabou de ficar mais valioso.
beijo,
#
ResponderExcluirPâmela Cristina Thober Vidal escreveu:
Bah, tb vou favoritar, pq da sôra eu ja sou fããããããã!!!!!!
Maria Luiza B. Lucchese escreveu:
ResponderExcluirGraça, a cada passada pelo 1,99 sinto um saudável orgulho de ser tua amiga.
Espero que prossigas passarinhando e eu, de alguma forma, cresço também e me encorajo a passarinhar neste mundinho daqui...
Bj
Maria Luiza
Marinho Mário Seefeld escreveu:
ResponderExcluirFoooda. Essa é a Graça que conheço!
Janie K. Pacheco escreveu:
ResponderExcluirQuem diria, Graça pichadora! Gostei muito do texto!!!!
Putz! Eu queria estar lá pra ver a cara daqueles bundões ao verem a parede pichada. Foi um legítimo "trabalho" de Diretora de Criação que não chegaste a ser.
ResponderExcluirSara Seadi esccreveu:
ResponderExcluirAdorei ler o episodio da Marca, no teu Blog,boas recordações!bj