Livro: A Sociedade do Espetáculo, Guy Debord

ISTO É QUE NÃO É, COCA-COLA!


Guy Debord é o brilhante filme que deu origem à série Baudrillard. Inspiração, aliás, permitida a priori pelo próprio Debord, há quase 40 anos, em seu aforismo 207 do livro A Sociedade do Espetáculo, onde o autor estimula o “ uso desviado”, afirmando que “ o plágio é necessário” ao progresso das idéias, porque “ apaga uma idéia errônea, a substitui pela correta”.

Não é o seu caso. Se tem coisa que o filósofo, cineasta e agitador político do Maio de 68 Guy Debord acertou foi na sua lúcida premonição da chamada “ sociedade do espetáculo”.

Regido pela lógica do consumo, pelo poder econômico, pela “ sobrevivência ampliada” com “pseudonecessidades” e pela sedução da mídia, o espetáculo se impôs fundamentado em um maquiavélico script: “ tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação”.

É impressionante que, já naquela época, Debord tenha antecipado o “ império da passividade moderna”, onde os homens - hipnotizados pela tela da TV, do computador, do celular - seriam transformados em meros consumidores e espectadores manipulados, expropriados de seu tempo, vidas e desejos reais e convencidos de que “ a ilusão é sagrada; a verdade, profana”.

Abduzidos ao “ pseudomundo à parte do não-vivo”, do lado de lá da tela, eles jazem prisioneiros de “ interlocutores fictícios que os entretêm com a sua mercadoria”.

De fato. Pra que mais, se quem tem Globo tem tudo?

Ladra descarada de valores verdadeiros e históricos, a publicidade – melíflua porta-voz dos senhores da sociedade do espetáculo – segundo ele, ajudou a separar os indivíduos de si próprios e dos outros, criando “ o monopólio da aparência”. Foi cúmplice na inversão da realização humana “ do ser para ter e parecer” e passou a comandar “ multidões solitárias” falsamente coladas por descartáveis invenções tecnológicas que acentuam as suas distâncias.

“ O espetáculo reúne o separado e o mantém separado”, diz Debord. Vide as grandes capitais, com seus milhões de carros e celulares e seus las-vegasescos templos de consumo: os shoppings e hipermercados.

Debord alerta para a paradoxal privação contida no consumo de mídia e mercadorias: “ O espectador, quanto mais contempla, menos vive”.

E psicologiza: “ quanto mais aceita se reconhecer no espetáculo, menos compreende sua vida e seus desejos”.

A ausência de história na sociedade do espetáculo - que só vive do presente “estranho” - propicia o canto épico pífio do desimportante “ confronto das mercadorias”, onde as grandes questões passam a ser, por exemplo, quem lava mais branco, qual cerveja desce mais redondo. E onde, ainda, a novidade da história é toscamente substituída pelo Novo! Único! de produtos ou serviços que logo se tornarão velhidades em favor de outros lançamentos, definitivos até o próximo intervalo.

Na sociedade do espetáculo, a ética – como depois constatou Lipovetsky – é relativa: “ reputações são maleáveis e corrigíveis pelos que controlam a informação” e “ o que nunca é punido torna-se permitido”, dando inclusive espaço para que os homens fiquem “ mais parecidos com seu tempo do que com seus pais", como aconteceu com a famosa Lei de Gerson.

Será que vamos nos consumir de tanto consumir? Guy Debord não tem dúvidas. A não ser que a sociedade acorde do tédio de suas vidas espetacularizadas e passe a “ conhecer experiências autênticas”.

Resta, de esperança, o poético apelo de Debord: “ Precisa trazer de volta a vida entendida como uma viagem que contém em si mesma todo o sentido”.

Árdua tarefa. Ele, mesmo, não conseguiu descobrir o seu sentido. No outono de 94, doente e isolado, suicidou-se. ( Guy Debord, A sociedade do espetáculo, trad .Estela S. Abreu, 1ª Ed Contraponto 1997) (Graça Craidy)
LEIA MAIS SOBRE DEBORD AQUI.

2 comentários:

  1. Maria Helena Z. Frantz5 de novembro de 2012 às 15:36

    É sempre maravilhoso ler os teus textos. Ainda lembro, fascinada, da tua palestra aqui no Seminário de leitura no Sesc de Ijuí. Simplesmente fantástico! Beijo.

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