Botox na cabeça.

Outro dia eu olhava distraída a embalagem de um creme para o rosto, quando li no rótulo a seguinte especificação: creme antiidade. Como, assim, antiidade? Contra a idade? Pensei estar diante de um caso para o Procon, ou de uma obra de ficção, quiçá de um invento revolucionário. Tinham descoberto, afinal, a fonte da juventude?

O absurdo daquela expressão - antiidade - me traduziu como nunca a insana busca que se estabeleceu hoje em espelhos, mídias e clínicas de beleza, para se perpetuar dentro de um padrão cruel e aprisionador do falso jovem eterno. Não fosse uma luta inglória, quanta fonte de sofrimento, e principalmente, que falta de senso!

Acho engraçado quando falo minha idade e comentam: “ não parece!”. Imediatamente depois de uma estúpida vaidade fugaz que me faz sorrir e agradecer o pretenso elogio, caio em mim do ridículo da situação. Que mundo é esse que é mais bacana você parecer do que ser? Que tontería é essa que fazemos de conta que congelamos o tempo e, pior, desfazemos da estrada, dos aprendidos, dos construídos? É pra ter vergonha de existir com a matemática real da contagem, como se conta o tempo de uma árvore, de uma pedra, de uma borboleta?

Numa entrevista, a escritora gaúcha Lya Luft diz que fica incomodada quando afirmam que ela tem espírito jovem, pois afinal demorou tanto para conquistar seu espírito maduro e agora querem que regrida para aquele espírito imaturo dos seus 20 anos?

O poeta mato-grossense Manoel de Barros, na sua simplicidade pantaneira, transgride a ânsia comum dos mortais pela juventude e desafora: “ Tenho candor por bobagens. Quando eu crescer, vou ficar criança”.

Aí é que mora a sabedoria. No jeito de olhar a vida como um guri, com olhos de primeira vez. Não no fascínio de querer ser novo, mas no prazer de descobrir o novo, no se deixar seduzir pelo ainda não-descoberto, na imensidão do tanto por desvendar. Cada vez que a gente se encanta com o novo, se perpetua dentro da gente, mesmo, porque ocupa ainda mais o espaço que nos cabe de humanos, inteligentes e ricos proprietários dos nossos incríveis cinco sentidos.

“ Leva-se muito tempo para ser jovem”, ironizava o grande pintor Picasso. E o filósofo paulista Mário Sérgio Corella completa: “ Velhos são os objetos, que já nascem prontos. Um liquidificador fica velho. Gente, não. Gente está sempre se fazendo. Gente só tem idade”.

Dito isso, sugiro que cada um de nós aproveite esse gerúndio do se fazendo e trate de se ocupar com novos espantos, pois tempo realmente não tem nada a ver com dinheiro ou juventude, mas com vida. Aliás, o que você viu, ouviu, cheirou, saboreou e sentiu hoje, querido leitor? ( Graça Craidy)

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4 comentários:

  1. Águida Kopf escreveu:
    Gostei muito do teu texto. É isso mesmo, pena que demoramos tanto para descobrir.

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  2. Muito bom Graça...Hoje o dia foi saboroso...cheiroso, ouvi tanta coisa linda, tudo isso depois de ler teu texto. Obrigado
    Tuty

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  3. Graça…
    Maravilla!! Gostei de vc desmascarar a linguagem de manipulação e distorção dos sonhos , tão bem exercida pela linguagem publicitária !!!

    beijos, TATI

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