Baudrillard alerta: você está morto e não sabe.


O filósofo francês Jean Baudrillard é um gênio. De uma lucidez tão lúcida que parece alucinada. Em seu livro Tela Total (2002) ele vai fechando uma a uma todas as saídas para um futuro possível, no qual não só não acredita como garante que não existe, porque para ele a era da virtualidade nos assassinou e nos conserva assim fantasmas, zumbis no lugar dos vivos.

Delata a desconstrução da História e o avanço da banalidade como ideologia, personificada na espetacularização do vazio. O humanitarismo? Uma forma de absolvição da impotência da humanidade, inerte diante do esgotamento da violência e da guerra divulgados à exaustão pela mídia, a infelicidade alheia como última energia do real onde vampirizamos sentido.

Denuncia a hipocrisia da Europa branca homogeneizante em sinistro processo de purificação étnica, valendo-se de mercenários como Saddam ou os sérvios para acabar com o diverso.

Acusa o Ocidente de impor não os seus valores, mas a sua carência de valores, diagnosticando o mundo civilizado como paralítico mental, com ausência total de destino, espectro, clone de si próprio.

Aos políticos, reserva sua melhor ironia, incluindo-os em uma era vitimal do arrependimento, simulacro de purgação - “ como o dinheiro sujo, devem ser lavados”. Em cada eleição, escolhidos por uma massa de eleitores indiferentes, purificam-se dos seus vícios e readquirem pelo voto suas virtudes.

Debocha do poder: vazio, exercido por gente vazia, “sarcófagos vivos que nos protegem da podridão da morte”, a direita e esquerda em aliança incestuosa.

Pintura trompe-l'oeil


Aos reality-shows, interpretação: com eles, as massas adquirem uma pseudo-interatividade como legítimos figurantes de uma realidade que já não existe.

A expressão “trompe-l’oeil” parece ser uma de suas analogias favoritas, simbolizando o quase, o falso, o pretenso da pós-modernidade.


A liberdade – diz ele – é um fardo que a humanidade se enfada de carregar. E a informação, transitando no hiperespaço, ultrapassou a verdade: não é nem falsa nem verdadeira, porque instantânea, permanece sempre numa 4ª dimensão intermediária, onde a credibilidade não importa mais.

Diverte-se com as pesquisas, às quais garante que o povo mente com prazer.

Alerta para o negror da infância, fábrica de clones alterados geneticamente, a violência biológica artificial gerando inimigos dos adultos, não mais filhos e pais, mas estranhos que não se sentem solidários ou descendentes, tampouco desejam crescer, porque sem finalidade, obsoletos.

Vice-verseia, traduzindo nossa alucinação coletiva pelos efeitos do virtual: “hoje, não pensamos o virtual; somos pensados pelo virtual”, onde tudo está fadado à maldição da tela, à maldição do simulacro.

O ressentimento entre os sexos – explica ele – é filho do despojamento da ilusão vital de homem-mulher, consequência do feminismo: tirou-se o poder do homem e agora não se aceita o impoder do homem.

Aliás, cenarizado em N.York, vem o escárnio: todo humano é dejeto da civilização. Cospe na pasteurização de Disney:
“a nova ordem mundial é disneica (…) o próprio mundo já se transformou em performance interativa.”
E, finalmente, nos reduz a meros atores em meio à total indemonstrabilidade do real. ( Não sei se corto os pulsos agora ou daqui a pouquinho.)


Baudrillard, Jean - Tela Total. Mito-ironias do virtual e da imagem, Porto Alegre: Sulina, 2002

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5 comentários:

  1. Interessante... Nao deixa de ter pensamentos acertados, mas por outro lado pressinto que ele globaliza essas idéias olhando desde a telinha do seu apartamento na França. O mundo que ele descreve me parece que encaixa mais no atual norte occidental. Por aqui, na América Latina, tem algumas coisinhas acontecendo que me permitem duvidar um pouquinho (quem sabe só um pouquinho)de suas certezas...veremos...Betania.

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  2. Patrizia Streparava-Bateman escreveu:

    Credo em cruz, sarava 3 vezes, pior é que concordo com a criatura!

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  3. Sergio Mudado disse:

    Alerta inútil, Hanna Mariazinha: eu já sabia. O artigo, porém, deve ser lido. A Humanidade não desvia um milímetro sequer de sua vocação à barbárie. E aquelas verdades que abalariam o mundo e mudariam o rumo das coisas? Prenderam o homem, a coisa esfriou. Fico pensando no primeiro homídeo a erguer-se e sua vista descortinar muito além dos outros animais podiam ver. Sabe o que ele pensou?" Agora vou foder com todo mundo". E pisou no acelerador, para sempre.

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  4. ééé´...Baudrillard era (é)um rolo compressor. Diria até, singela opinião, que ele é o último pensador francês, pq ultimamente aquela turma lá anda "pisando em ovos demais"...Vide a postura intelectual da galera nos ultimos acontecimentos planetários. bjocas Ilidio

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