Um blog à beira de um prozac. Reflexões sobre pós-modernidade, criadores publicitários, artigos acadêmicos, vida real, memórias, xingamentos, declarações de amor e desaforos em geral.
A loira que não pensou com a raiz.
- Graça!!!.....
O olhar dele, esgazeado, focava alguns centímetros acima dos meus olhos, como se um fantasma levitasse atrás de mim.
- Graça!!!... - ele repetiu, sua habitual voz grave, agora ainda mais grave e com aquele tom de pânico que me dava arrepios de cima a baixo e me paralisava o gesto, sem coragem de virar a cabeça. Quanto menos ali, de noite e naquela luz bruxuleante da cozinha, que tornava tudo meio sinistro e irreal.
Meu namorado era espírita e, virava mexia, vinha contar - pra meu horror - que enxergava almas atormentadas do outro mundo vagando ao redor, espiando as deste mundo com pedidos silenciosos de socorro, a cujas eu confessava, em voz bem alta e muito clara, não ter a menor vontade de ver, ouvir, saber ou tocar, que dirá salvar.
Aquele " Graça" cheio de exclamações e reticências de holografia me dava nos nervos de tal maneira, que reagi quase gritando:
- Pelo amor de Deus, fala, criatura, !...
O alarmista não falou. Em vez, me deixou ali, catatônica, foi com aquele seu passinho de urubu malandro até o quarto pegar um espelho desses de tirar sobrancelha, segurou o dito bem em frente ao meu rosto e me obrigou, com os olhos, a botar tento no acontecido.
Como boa moça prendada do interior, onde nos ensinam que tudo pode ser feito em casa - de geléias a partos - eu tinha passado a tarde daquele sábado aplicando henna em meu falso cabelo loiro, me embonitando para um jantar com amigos logo mais à noite.
Foi uma trabalheira do cão. Além da henna ter um cheiro acre de cocô de cavalo, também não dava liga, mesmo misturada com água, e se recusava a permanecer emplastrada na cabeça, feito as outras tinturas do mercado, escorrendo pela nuca.
Apesar da melecança no banheiro, eu estava no sétimo-céu com minha façanha embelezadora. Afinal, em vez do aviltante blondor com água oxigenada que me provocava coceira no cérebro, de tão invasivo e antinatural, eu tinha optado por louvável atitude ecológica escolhendo aquela henna indiana sem química para avivar a cor do cabelo.
Rá! Depois de horas cheirando a curral, me dei por satisfeita e busquei a libertação do martírio no chuveiro. E creminhos, e perfumes, e batom, e agora ali, vitoriosa
e exuberando frescor, o rapaz me vinha com Sexta-Feira 13- parte I?
O que vi refletido no espelho em frente ao meu rosto iluminado pela luz fria não foi nenhuma loira interessante, mas - socorro! - uma alienígena de olhos arregalados, que me espiava com um estranho cabelo verde.
Verde, sim. Verde cocô de cavalo, claro!
Alguns segundos de pavor e não aguentei. Explodi numa gargalhada.
- Mil vezes marciana que mal-assombrada!
Acabei indo ao jantar daquele jeito, mesmo. E não preciso dizer que o povo me pegou pra cristo da hora que abriu a porta até o último ás da derradeira canastra.
Sufocando o riso, minha amiga me explicou, caridosa, o que tinha acontecido: henna só pode ser aplicada em cabelo virgem. E, antes que você pense besteira imaginando intercursos sexuais bizarros, saiba que virgem é cabelo que nunca foi currado com L'oreais, Kolestons ou Majiréis.
Virgem, eu, com aquele cabelo loiro-belzebua amarelo van gogh? Nem nascendo na Escandinávia...
Saímos da festa às duas da manhã e, pontualmente, duas e quinze, estávamos na drogaria 24 horas ao lado do Shopping Iguatemi, na Faria Lima, em busca do milagroso shampoo-que-lava-colorindo, pois, àquelas alturas eu já cultivava um profundo ódio do meu loiro-verde prostituto 30 volumes e tinha certeza absoluta que o mundo inteiro me olhava meio assim, do balconista ao mendigo.
Naquele sábado fatídico, meu namorado fez jus a um privilégio que muitos homens sonham e poucos podem se vangloriar: acordou com uma loira fatal, jantou com uma extra-terrestre e dormiu com uma inocente castanha-clara. ( Graça Craidy)
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Marina Queiros Telles Cunali escreveu:
ResponderExcluirClaro que me achei!!! rsrs!!! Inesquecível...
Aproveito pra dizer que dei uma navegada no seu blog e adorei os textos... tão gostosos de ler! Bjs pra vc querida!
Alberto Zetune escreveu:
ResponderExcluirGraça, você esqueceu de dizer que nem foi trabalhar
2ª de manhã pra tingir o cabelo no cabeleireiro.
Bjs