Vesti azul. Minha sorte então mudou.

Foto: Carlos Souza.

Deus me livre de andar pela vida vestindo vermelho, aquele sangror cobrindo nudez como se virasse a gente do avesso, expondo o de dentro das carnes.

Não gosto disso de extremos, radicalismos, lados só de lás ou lados só de cás. Um bom azul e estamos conversados! Meu negócio é a trilha do meio. Sempre achei que esse, sim, era o caminho mais curto pra chegar a qualquer lugar. Isto é, chegar inteira, a salvo, sem pedradas, cuspidas, apupos, cochichos ou assobios, quero dizer.

Alguém pode até achar que vestir-se de amarelo é capaz de atrair bons fluídos solares, como aconselham os cromoterapeutas ortodoxos. Mas, cá para nós, a-ma-relo? Aquela coisa meio ovo, meio melenta, meio desesperada? Não dá para imaginar um sujeito digno, discreto, passante altivo, vestido de gemada. Tudo, menos amarelo!

Azul, sim! O cidadão garante o respeito quase instantâneo, tem o poder metafísico de fazer amigos e influenciar pessoas, sem nem carecer palavra. Um efeito Dale Carnegie automático. Azul, o interlocutor já olha diferente, perscruta o íntimo do vestinte, certo de encontrar ali só nobres sentimentos, galhardia, fidúcia, um espírito assim até um tanto alfazêmico, eu arriscaria dizer.

Tem gente que ousa ignomínias e atreve-se à heterodoxia de vestir-se de rosa, como se pudesse passar incólume pela vida alguém que se arrisca a tamanha desfaçatez. Ora, rosa!...O próprio nome já indica: isso é coisa de flor. Quero saber de rosa, não, minha filha. Eu sou é de outro disco de Newton!

E verde? Como já dizia meu velho pai que nunca na vida permitiu sequer listrinha de pijama dessa cor, reagindo sempre do mesmo jeito e com um olhar horrorizado: - Verde de integralista e milico? Jamé! Que meu nome não é Plínio Salgado nem falo evoé...

Marrom, então, nem precisa de explicares e argumentares. Chama uruca, ouvi. Conheço uma penca de gente que quer ver o diabo pintado de ouro, mas não veste marrom. Roberto Carlos que o diga! Aliás, Roberto Carlos sabe das coisas: o Rei usa e abusa de que cor, de que cor?

Sem falar em preto. Não sei o que deu nesse mulherio de hoje - oprimido pela ditadura da magreza - que só se veste de não-cor. Hordas e hordas de viúvas invadiram escritórios, bares, festas, passarelas e - heresia das heresias - até casamentos! Outro dia, mesmo, estava eu em um bar com um amigo, ele me pergunta, encafifado:- por que raios as mulheres só se vestem de preto? Olhei ao redor, fiquei pasma: todas, rigorosamente todas as fêmeas presentes pareciam personagens de um filme noir, como se um ente inferior tivesse dado sumiço no arco-íris e Cartier Bresson se comprouvesse em cliques flagrantes de um carpideiro espírito pós-moderno.

Azul, não! O mundo inteiro se vestiu de blue-jeans e atrás dele veio uma só mensagem prazerosa e deliciosamente aliciante: faça amor, não faça guerra!... Nunca se soube de uma criatura no planeta que fosse contra o azul. Inclusive, nos Estados Unidos, o azul é um lídimo representante da classe trabalhadora: blue-collar, eles falam, referindo-se à working-class que assumiu o jeans inventado por Levis nos tempos da Corrida do Ouro. Só perde, mesmo, em fama, para os white-collars, que, porém, conspurcaram-se com a sujeira das famigeradas corrupções, chamadas soberanamente pela imprensa de crimes do colarinho branco.

Por sinal, sem querer puxar a brasa para o meu assado, Fernando Pessoa ficou famoso, de fato, com o seu poema Mar Portuguez (aquele da alma que não é pequena ) quando concluiu, em loas ao azul: " Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu."

Por essas e por outras é que eu não vacilo, não mudo de opinião, nem penso duas vezes. Na hora de escolher uma meia, uma camisa, uma calça, um sapato, uma saia, um blazer, uma calcinha, um isqueiro, uma barra de giz que seja ou até mesmo um carro, os amantes de outras cores que me perdoem, mas eu, a degas aqui, fecho com a cor da casa do Cara lá de cima. Per omnia saeculorum, azul.
( Graça Craidy)

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2 comentários:

  1. Cintia e eu curtimos juntas. Somos amantes do azul, mas um vermelho também nos atrai. Já a rainha Elizabeth adora uma gemada.KKK

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  2. Marta Escaleira escreveu:

    Querida, dei uma espiada no seu blog, adorei! Você manda sempre muito bem, e sabe do que está falando. Parabéns, vou virar freguesa! Beijos!

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