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ENXURRADA DE BOBAGENS ALUGANDO NOSSO CÉREBRO |
Tudo para que ninguém tenha tempo ou atenção de curtir por juizo próprio o jogo a que está assistindo. Nem por um segundo. Não. Necas. Jamé.
Parece que quem narra ou comenta futebol acha que o espectador ou o telespectador ou o rádio-ouvinte, enfim, é um débil mental, um retardado, um abduzido. Que não tem a menor condição de pensar com sua própria cabeça.
Daí o assumido tom pseudamente pedagógico o tempo todo explicando aquilo que você já sabe porque, afinal, você está vendo o jogo, também. Esqueceu?
Esqueceu. O narrador, o comentarista de futebol - essa dupla Batman&Robin dos gramados - finge que está vendo o jogo, mas na verdade está o tempo todo se olhando em um espelho fictício, lambendo o seu umbigo e atingindo orgasmos múltiplos ao escutar sem parar a própria voz. Aos soquinhos. Em melodias que desenham um redondo no ar, depois um redondinho. E pá, ponto.
Mas a niagara de bulshitagem não viceja apenas no comentarismo. Cada vez que um repórter entrevista um jogador saindo do campo no intervalo ou no final do embate, a resposta vem sempre igual. Até a música que a fala do entrevistado entoa é parecida.
Se o sujeito for do time vencedor, gira em torno de o nossotime-uf-teve-uf-garra-e-uf-a-equipe-uf-pegou-uf-junto. Tudo ofegantemente enquanto seca com a manga da camiseta o suor. Se eu sou do marketing da Gessy-Lever ou da Artex, é exatamente nessa hora que ia querer meu merchandising.
Caso o atleta seja do time perdedor, no entanto, a cantilena é outra. Só que igual: a-gente-uf-se-esforçamos-uf-mas-uf-nãofoi-uf-dessa-vez-uf-agora-uf-é-pensar-uf-no próximo. E ali fica, patinando na esteira do bobagismo óbvio que saliva e não engole. Cusp!
Aliás, os repórteres de futebol, na sanha de marcar pontos com seus chefes lá na emissora, cometem as piores atrocidades enfiando os microfones nas feridas dos cristãos que acabaram de perder para os leões.
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NARRADOR E COMENTARISTA FALAM PRO ESPELHO |
Se eu sou o jogador, respondo que foi porque eu quis. Que me deu tédio bem naquela hora. Melancolia, spleen, depressão, sabe como? Que me dei conta de repente da imensa pequenez do homem diante da gigantesca obra de Deus. E, principalmente, da finitude do ser futebolístico enquanto mortal.
Talvez rendesse conversas mais divertidas. Porque, francamente, aquele trololó desconexo que acontece todo domingo depois dos jogos, com um bando de adultos sentados em bancadas que parecem abrigar cabeças pensantes, me leva a uma loucura mansa comparável apenas à loucura mansa das pessoas que fazem palavras cruzadas sem parar.
Às vezes fico ali no sofá observando com renovado interesse socioantropológico o desenrolar de programas assim e vou entrando em um parafuso suave que me conduz ao labirinto de um minotauro de chuteiras correndo alucinado atrás do rabo.
Todos eles têm certeza. Todos eles sabem muito bem do que estão falando. Todos eles levam aquilo mais a sério que se estivessem decidindo a terceira guerra mundial. Todos eles parecem intelectuais, gente que pensa, reflete, pondera, pesquisa, compara. Todos eles concluem, baseados em evidências tão gritantes que só você, telespectador, só você, radio-ouvinte, não tinha pensado nisso sozinho, antes, com sua própria minúscula cabecinha.
E nem me venha alegar Nelson Rodrigues, que dois nelsons nao nascem no mesmo lugar.
( Graça Craidy)
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Ilidio Soares escreveu:
ResponderExcluirMudo.
Paula Cury escreveu:
ResponderExcluirAdoreiiii!!!!
Ilidio Soares escreveu:
ResponderExcluiré..texto pra meninas, embora "bueno"
José Cascão Costa escreveu:
ResponderExcluirbrilliant!
Dora Bragança Castagnino escreveu:
ResponderExcluirMatou a pau Graça!
Marcio Nogueira escreveu:
ResponderExcluirMuito bom, Gracita.
Vera Lucia Bemvenuti escreveu:
ResponderExcluirFalou graça [E isso mesmo.bj
Sandro Pinto escreveu:
ResponderExcluirSobre a patética profissão de comentarista esportivo, um belo texto da minha amiga Graça Craidy:
"Todos eles têm certeza. Todos eles sabem muito bem do que estão falando. Todos eles levam aquilo mais a sério que se estivessem decidindo a terceira guerra mundial. Todos eles parecem intelectuais, gente que pensa, reflete, pondera, pesquisa, compara. E conclui, baseados em evidências tão gritantes que só você telespectador, só você radio-ouvinte, não tinha pensado nisso sozinho com sua própria minúscula cabecinha".
Diki Schertel escreveu:
ResponderExcluirGraça,
na mosca!
bjs. e saudades.
Diki
Fabio Buhrer escreveu:
ResponderExcluiroi gracinha
muito bom!
adorei o texto!
Neil Ferreira escreveu:
ResponderExcluirMuito mais que interessante, preciso, no ponto - parabéns. Neil
Moisés Mendes escreveu:
ResponderExcluirque maravilha!!!!!!
Marino Boeira escreveu:
ResponderExcluirGraça
Li e gostei. Só que faltaram os nomes. Domingo passado o glorioso Inter jogou na tua terra e aquela dupla famigerada da tv gaúcha se esmerou nas bobagens. Como teus conterrâneos chutaram duas bolas pra frente no início do jogo, os caras começaram a dizer que o São Luís era corajoso, que não se intimidava, etc. Eu disse pra Rosane: daqui a pouco o Inter vai faz um gol e os caras não vão ter o que dizer. Ledo ivo engano. Com a maior cara de pau, eles logo informam que a maior categoria dos jogaodore do Inter está fazendo a diferença...etc...etc. Eu também sonho em ser um jogador de futebol que diz o que pensa para os repórters na saída de campo. Tipo: como você perdeu aquele gol? Do mesmo jeito que você não perde oportunidade de dizer bobagens, nessa rádio reacionária, da sua empresa reacionária.....Sonhos de uma tarde dominical de verão.
Marino Boeira
Heber Monteiro escreveu:
ResponderExcluirGraça, querida, concordo inteiramente, em número, gênero e grau. Só que infelizmente tenho de anexar as tremendas bobagens que têm virado o faustão, as novelas, "humor"... Para esse míssil que quero descer, de raspão à terra...
Marly Revuelta escreveu:
ResponderExcluirAdorei! nao sabia que vc assistia jogos de futebol. Gracinha, aqui nao é diferente. Os jogadores depois do jogo, dizem as mesmas besteiras. Da a impressao que todos os neuronios estao nos pés...
Hermes Aquino escreveu:
ResponderExcluirÈ isso aí, Graça. Não restou pedra sobre Pedro. Adorei a expressão 'niagara de bulshitagem' e outras tantas (as entrevistas). Teu texto está fluindo gostoso. Muito bom, vai fundo.
Bj.
HA
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ResponderExcluirRick Jardim escreveu:
ResponderExcluir"Magnífico texto Graça Craidy, disse tudo e mais um pouco. Bem isso! ♥"
Patrizia Streparava escreveu:
ResponderExcluirMaravilha, Graça Craidy. Aliás, como de costume.
Ronaldo Ramos escreveu:
ResponderExcluirmuito bom! eu há tempos aprendi a usar a teclinha do "mute"...e assisto aos jogos ouvindo minha própria capacidade de especular.
Paula Cury escreveu:
ResponderExcluirMuito bom, ontem me incomodei com todos os narradores do jogo, pensei em sugerir assistir o jogo no mudo! Insuportáveis, ao invés de narrarem os passes ficam julgando o tempo todo! Eita chatisse!
Paula Cury escreveu:
ResponderExcluirMuito bom, ontem me incomodei com todos os narradores do jogo, pensei em sugerir assistir o jogo no mudo! Insuportáveis, ao invés de narrarem os passes ficam julgando o tempo todo! Eita chatisse!
ResponderExcluirErson Leal Ramos escreveu:
Trabalhei como fotógrafo repórter, plantonista policial (foto e texto), copy desk (formatação final do texto antes de ir para revisão gramatical e ortográfica), setorista esportivo (substituto), redator, editorialista e editor do meu próprio jornal (começo como quinzenário e depois se tornou semanário) por mais de uma década entre os anos 70 e 80 do século passado. Fui um profissional apaixonado pelo meu trabalho e, mesmo tendo mudado de profissão por motivos pessoais e no melhor interesse da minha "grande" família, até hoje a comunicação mexe comigo e com minhas emoções. Porém da única parte desta década atuando como jornalista profissional só não tenho saudades do tempo (ainda que breve) que trabalhei na área esportiva. Não sabia dizer o porquê e, tinha dificuldades de explicar esta postura até contrária aos meus valores de sempre ser apaixonado por qualquer coisa que faça ou que tenha que fazer para prover o meu sustento e da minha família. Lendo este texto, ainda que ácido, da blogueira Graça Crandy (que não conhecia até ver o post do amigo Rick Jardim) entendi o que não gostava da atuação dos repórteres esportivos, inobstante tenha grandes amigos que atuam na área e são indiscutivelmente excelentes profissionais, sendo que alguns deles foram verdadeiros mestres nos meus dias de "foca de redação"... Me perdoem todos, mas concordo com a maior parte do que ela "desabafa" neste brilhante texto. Não quero briga com ninguém, mas assino embaixo. Boa semana a todos.
Jaqueline Chala escreveu:
ResponderExcluirMuito bom, Graça. Como sempre!