Washington Olivetto, redator: o golden boy

 

 

" Publicidade é a coisa mais divertida que se pode fazer vestido."

 

Washington Olivetto, citando o publicitário americano

 

Jerry Della Femina.

 

De reizinho a menino de aquário

 

 

Não. Ele não seria nem advogado, nem médico, nem engenheiro, como sonhava o vendedor representante de tintas e pincéis Virso Olivetto, em uníssono com o que todos os outros pais classe-média dos anos 50 almejavam para seus filhos homens.

 

Washington Luís Olivetto, paulistano, baixinho, desprovido de beleza singular, magro, mas leitor voraz de Fitzgerald, Salinger, Maiakovski e Monteiro Lobato, que o transformaram em privilegiado interlocutor, não iria desperdiçar em profissões tradicionais o seu nome de presidente da república escolhido a dedo por seu avô, filho de italianos, o nono Paulo Olivetto, nascido em Piracicaba/SP e fã do 15º presidente brasileiro deposto em 1930. Tampouco tinha queda para números, exatas ou métricas ortodoxas.

 

Washington queria, mesmo, era ser um vendedor dos bons, como o pai, que vivia recebendo prêmios na Pincéis Tigre por metas alcançadas. Mas, não qualquer vendedor dos bons. Queria ser um vendedor dos bons que pudesse ao mesmo tempo escrever, já que o tanto de leitura acumulado em sua memória desde os cinco anos, quando foi alfabetizado, acabou fazendo dele também um redator. E dos bons.

 

De 1951, quando nasceu, a 1955, quando nasceu sua irmã Ivani ( nome em homenagem à escritora de telenovelas Ivani Ribeiro), Washington teve uma infância saudável, alegre, povoada pelo afeto de avós, pais e principalmente de sua mecenas particular, tia Ligia, irmã do seu pai, bem situada diretora do SAMDU - Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência ( espécie de INSS da época, fundado em 1949) e esposa do tio Armando Meloni, também oriundi e também vendedor de


 sucesso como o cunhado Virso, o casal especialmente encantado com o pequeno Washington que supria sua carência de impossibilitado de ter filhos.

 

Washington Luís Olivetto era o primogênito de Virso e Antônia, ambos descendentes de italianos. Olivetto com dois tês, de Liguria (norte da Italia) como enfatiza Washington, que imagina ser provavelmente tataraneto bastardo de um nobre com uma mulher do povo, pois em épocas passadas - ele soube - os aristocratas italianos daquela região, quando geravam filhos fora do casamento, dobravam uma letra do sobrenome do rebento, em sinal tanto de reconhecimento como de ilegitimidade. Como contou à revista A próxima viagem ( 2003):

 

 

Meu bisavô cometeu o pecado de nascer pobre em Portofino. Os Olivetos de Porto Fino eram todos ricos, com exceção de meu avô, e eu descobri por que: o Olivetto dele era com dois 't', como o meu. É que os filhos bastardos recebiam um 't' a mais no nome, para diferenciá-los. Meu tataravô, suponho eu, teve um filho com uma camponesa gostosa. ( OLIVETTO, 2003)

 

Corria o ano de 1955, Sabin ainda nem tinha descoberto a vacina anti-poliomelite definitiva ( só seria aprovada em 1961) e o pequeno rei da família Olivetto, de uma hora para a outra - exatamente quando nasceu a irmãzinha Ivani - teve uma febre alta e parou de caminhar, por causas nunca descobertas pelos médicos. Parou de caminhar igualzinho a um bebê, talvez dissesse qualquer psicólogo ou pediatra, hoje em dia, considerando tal comportamento provavelmente resultado de ciúmes entre irmãos, coisa que dá e passa.

 

 

Tia Lígia, no entanto, não quis esperar para ver. Apavorada com a possibilidade de o sobrinho ficar paraplégico pelo vírus da chamada paralisia infantil, e após consultar médicos e mais médicos e nenhuma causa ser constatada, a irmã de Virso convenceu o irmão e a cunhada a deixá-la levar o pequeno Washington para cuidá-lo em sua casa, na Aclimação, bairro classe-média próximo à Av. Paulista onde moravam apenas ela e o marido. O intuito alegado era louvável: evitar o contágio da doença na pequena recém-nascida e cuidar de perto do tratamento de Washington que mais tarde, adulto, confessou: conseguia se mover, sim, mas por precaução dos adultos era preservado do esforço. Terríveis cobertores quentes nas pernas, ele relata,

 

 

lembrando os 365 dias e noites numa cama. Preço alto mas, pelo jeito, compensador, para que ele pudesse continuar no papel de reizinho da casa, agora, da casa Tia Lígia.

 

Nesse período, de 1955 a 1956, impedido de viver vida normal de menino, Washington tornou-se um menino de aquário - como diria Mario Quintana ( 2004), ele mesmo, um confesso menino de aquário, de infância doentia e recolhida.

 

 

Eu fui um menino por trás de uma vidraça – um menino de aquário. Via o mundo passar como numa tela cinematográfica,

 

mas que repetia sempre as mesmas cenas, as mesmas personagens. Tudo tão chato que o desenrolar da rua acabava me parecendo apenas em preto e branco, como nos filmes daquele tempo.

 

O colorido todo se refugiava, então, nas ilustrações dos meus livros de histórias, com seus reis hieráticos e belos como os das cartas de jogar.

 

E suas filhas nas torres altas – inacessíveis princesas. Com seus cavalos – uns verdadeiros príncipes

na elegância e na riqueza dos jaezes. (...) (QUINTANA, 2004. )

 

 

Para aliviar o tédio e amainar seus longos dias, a mãe Antônia, a avó paterna Judite e a própria tia Lígia, ensinaram-no a ler e a escrever. Resultado: com 6 anos, o menino de aquário Washington já havia lido os 17 volumes da coleção infantil do Monteiro Lobato e seus ídolos eram não os reis, príncipes e princesas de Quintana, mas os brasileiros e lobatianos Emília, a boneca irreverente, e Visconde de Sabugosa, o simpático anti-herói, duas personagens que retratam um pouco o comportamento irreverente e anti-herói de Washington. E mais: estaria nascendo ali o espírito verde-amarelo que de uma forma ou de outra inspirou a carreira de Washington, inclusive o nome da sua agência?

 

" Você tem os dedos no pulso do Brasil", teria dito a ele uma vez Marcio Moreira, importante executivo brasileiro do grupo mundial da agência McCann-Erickson. Não-muito-obrigado, teria respondido Washington em outra ocasião, ao poderoso grupo de publicidade do primeiro mundo, Chiat Day, quando o convidou a dirigir uma agência em Nova Iorque, fundado na razão de que, para Washington, seu primeiro - e prioritário - mundo era o Brasil:


 

...em 80 fui convidado para montar, como sócio, a Chiat Day de Nova Iorque. Mas eu tinha tanta certeza de que queria ficar no

 

 

Brasil e de que não daria tão certo lá fora que não me senti tentado. Achava mais legal fazer daqui para lá. Sou meio galera. Fui vice-presidente do Corinthians. Adoro pastel de queijo da feira do Pacaembu. A idéia de trabalhar fora não me encantava. Gosto de viajar na hora que eu quiser. Mas prefiro morar aqui. A minha busca sempre foi ter poder suficiente para dizer: "Welcome to the first world"(...)(OLIVETTO, 1998)

 

 

Em outras ocasiões, também, Washington - que se diz " meio galera" - deixa transparecer seu lado nacionalista, invertendo o modo de olhar o Brasil como " um outro jeito de ser Primeiro Mundo" ( Trip #93) :

 

 

Não acho que o Brasil fique na América do Sul. Essa identificação com o Mercosul não tenho na cabeça. O Brasil é um corpo à parte, como a China. Fui à China dar uma palestra, e o que me espantou lá foi eles terem o mais moderno e o mais antigo país do mundo simultaneamente. (...) ( OLIVETTO, 2001)

 

 

1957. Um ano depois de mudar para a casa da tia Ligia, no final da consulta com um médico na rua Oscar Freire, Washington simplesmente saiu caminhando, sem saber direito como - ele conta - o que o qualificou a voltar à casa dos pais, agora mudados do bairro classe-média City Lapa, na zona Oeste de São Paulo Capital, para uma casa maior no Tatuapé, Zona Leste, bairro originalmente meio operário, meio vinícola, onde ficavam antigamente as chácaras de muitos imigrantes italianos que lidavam com vinho. No Tatuapéficava também o estádio do Corínthians, time favorito de Washington, ao qual ele tinha sido apresentado pelo tio Armando aos três anos de idade, quando ganhou um fardamento completo de goleiro igual ao do Gilmar, clube do qual, por tão apaixonado, viria a ser vice-presidente de Marketing, em 1981, ajudando a criar e a consolidar a famosa Democracia Corinthiana6 integrada pelos jogadores Sócrates e Casagrande, entre outros, que mudou a forma de administrar o time, na época - os próprios jogadores elegeram o colega de time Zé Maria como técnico - e, inclusive, apoiou abertamente a campanha diretas já contra a ditadura militar, fazendo os jogadores do Corinthians entrarem em campo com a suspeitíssima palavra democracia escrita na camiseta somada a outra palavra também perigosa - vote - na partida próxima à eleição de 1982, a primeira eleição direta para governador, no país, desde 64. Morais (2005:222) relata que esse período do Corinthians entrou

6 Tema de tese de doutorado, transformou-se no livro Democracia Corintiana – A Utopia em Jogo, escrito pelo jornalista Ricardo Gozzi, São Paulo: Boitempo, 2002


 

 

para a história do Brasil porque, conforme o cientista político Emir Sader, citado por ele:" quando ninguém no país podia votar, os jogadores do mais popular time brasileiro conquistavam o direito de decidir sobre seus rumos".

 

Em 1956, Washington voltou da casa da tia, de posse do poderoso capital simbólico e handicap como ex-paralítico infantil e a primeira coisa que ouviu do pai foi um alerta carinhosamente severo: " Você está mimado demais e não pode esquecer que o importante nesta vida é estudar e trabalhar", conta Fernando Moraes ( 2005:55).

 

Essa frase o acompanharia pelo resto da vida, instigando suas buscas criativas à exaustão, a tal ponto que ficou conhecido, junto com o diretor de arte Francesc Petit, como a dupla de criadores que mais produzia na DPZ, em sua época: 2/3 dos trabalhos de toda a equipe de criação, relata Morais ( 2005), eram criados por Olivetto e Petit. Workhaolic? - pergunta a repórter da revista Istoégente ( 2000) a Washington:

 

Como não sofro com isso, não me considero. Para mim, trabalhar é divertido. Trabalho como formiga e vivo como cigarra. Trabalhar como formiga permite que viva como cigarra, me realimente e volte a ser a formiga eficiente. Não vejo mérito em quem trabalha fora do horário, fim de semana. É falta de competência. (OLIVETTO, 2000)

 

 

 

O chamado primário, hoje 1º grau, Washinton cursou com um ano de vantagem sobre os colegas em uma escola de freiras, o Educandário Espírito Santo ; a primeira parte do 2º grau, o ginásio, em um rígido colégio particular de padres agostinianos, o Colégio Agostiano, no qual - ele mesmo se denuncia - foi aluno medíocre e contestador, da turma do fundão, que mal e mal conseguia passar de ano, autor de rebeldias autônomas como, por exemplo, mandar fazer um carimbo falso, igual ao dos padres, para carimbar a sua ficha de presença à missa, livrando-se da obrigação religiosa por obra de uma saída irreverente e criativa, qualidades que mais tarde muito iriam lhe servir como criador publicitário. E, finalmente, o antigo clássico, coroamento do 2º grau, concluiu no Colégio Pais Leme. Todos, colégios considerados de boa qualidade e, ressalte-se, particulares.

 

Colégio de freiras, colégios de padres, porém, as únicas referências religiosas nos relatos de Washington - um italiano de quatro costados nada especialmente devoto - parecem ter sido providenciar o carimbo falso de frequentador de missa e mandar gravar som de pedras de gelo caindo em um copo, no meio da música Ave Maria, de Gounot, para anunciar à sua equipe que havia chegado a hora do pôr-do-whisky, 6 da tarde, em sua W/Brasil, conforme relata Morais ( 2005).

 

Para Washington, o maior significado da sua vida escolar, mais que a busca de conteúdo, era a convivência, "fundamental para a vida’’, ele avalia, bem pouco convicto do valor do conhecimento formal e admirador do saber buscado aleatoriamente, ao sabor da curiosidade, postura que o moveria vida afora, na construção não apenas do seu capital cultural, mas na luta interna do campo da publicidade, em sua busca por diferir dos seus pares:

 

Meu interesse pelo conhecimento surgiu fora da sala de aula. Nunca tive como objetivo principal obter notas ou diplomas. ( OLIVETTO, 2003)

 

 

Em 1965, aos 14 anos, Washington deu-se conta de que havia uma saída aglutinadora para aquele seu duplo desejo de unir vendas com escrita: a publicidade. Mais especificamente, a área de criação publicitária, onde o trabalho gira em torno de vendas traduzidas por palavras e imagens. Assim, agradaria ao pai e, claro, a si próprio. Como explicou à revista A Próxima Viagem:

 

 

Descobri cedo na vida para que eu servia. Aos 18 anos, já publicitário, meus patamares mudaram rapidamente. Em seis meses, passei de estudante de classe média a redator de propaganda muito bem pago. ( OLIVETTO, 2003)

 

 

 

 

 

De hippie a yuppie

 

 

 

 

Em 1972, porém, o momento histórico não estava para valentias estudantis, ainda que muitos estudantes brasileiros teimassem em lutar na clandestinidade de movimentos de guerrilha urbana como o MR-8 - Movimento Revolucionário 8 de Outubro, uma facção mais radical do PC do B - por exemplo, contra os arbítrios da chamada gloriosa revolução de 64 implantada no Brasil por militares que depuseram o presidente João Goulart alegando proteger a segurança nacional contra o comunismo, apagaram do vocabulário a palavra democracia e impuseram uma censura tão pesada à imprensa, principalmente Veja e a imprensa alternativa como O Pasquim, o jornal Movimento e dois grandes jornais, o Jornal da Tarde, onde ficaram famosas as receitas de culinária, e o jornal O Estado de São Paulo, com os versos de Os Lusíadas de Camões, publicados no lugar das notícias vetadas.

 

Censura, porém, que não teria perturbado outros grandes jornais como Folha de São Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, por exemplo, cujos - segundo Mino Carta garante, em entrevista (24/03/04) - nunca sofreram censura, porque integravam a mídia que nos idos de 63, 64 " implorava pela intervenção militar":

 

Em cima da destruição da memória, alguns jornais inventam que sofreram. O Jornal do Brasil nunca foi censurado. A Folha de São Paulo nunca foi censurada. A Folha de São Paulo não só nunca foi censurada, como emprestava a sua C-14 [carro tipo perua, usado para transportar o jornal] para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban [Operação Bandeirante7].(...) ( CARTA, 2004)

 

 

Conforme Carta ( 2004), a Folha de São Paulo, que conquistou milhares de novos leitores calcada no seu apoio ao movimento Diretas Já, em 1984, e que geraria mais tarde um slogan criado pela própria W/GGK de Washington - "o jornal que nunca se vende" - teria, nos anos de chumbo, passado incólume pela tesoura do Ministro da Justiça de Médici, Armando Falcão:

 

E hoje você vê esses anúncios da Folha – o jornal desse menino idiota chamado Otavinho [Otavio Frias Filho] – esses anúncios contam de um jeito que parece que a Folha, nos anos de chumbo, sofreu muito, mas não sofreu nada. Quando houve uma mínima pressão, o sr. Frias afastou o Cláudio Abramo da direção do jornal. (CARTA, 2004)

 

 

 

7 A Operação Bandeirante ou OBAN foi um centro de torturas e de combate às organizações armadas de esquerda, financiado por empresários e montado pelo Exército, em 1969, em São Paulo, na r. Tutóia; seu membro mais famoso: del. Sérgio Fleury.


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Para quem tinha 18 anos como Washington, porém, e não queria correr o risco de freqüentar os porões de tortura da ditadura na famigerada Rua Tutóia (São Paulo Capital) feito o redator publicitário Otoniel Santos Pereira, por exemplo, que passou lá 12 dias porque tinha abrigado um dirigente do PCB em sua casa, conta Morais ( 2005: 141), mais fácil e prudente era fingir-se de alienado, fazer o jogo do contente, apreciar discretamente a contracultura e virar hippie de boutique, como se zombava, na época, referindo-se aos simpatizantes urbanos do movimento pacifista Faça amor, não faça guerra, iniciado na Califórnia, nos Estados Unidos, nos anos 60, contra a Guerra do Vietnã e o establishment, a favor das drogas, da meditação e do amor livre ( leia-se sexo livre), como retratado no filme Hair ( 1968) e exaltado no festival de música de Woodstock ( 1969).

 

Os de boutique, feito Washington, não viviam em comunidades zen-místicas-macrobióticas, como os originais, mas subsistiam de mesada - no seu caso, mesadas do pai e da tia Lígia - e adotavam um visual parecido, misto de batas indianas com calça lee boca-de-sino, tamanco ou chinelo de couro com sola de pneu, cabelos compridos e barba e, às vezes, a fala amolecida por eventuais cigarros de maconha, por sinal, proibidíssimos pelo draconiano governo militar.

 

Essa era a maior burla dos de boutique: fumar cannabis escondido ou, ainda, aplaudir corajosamente Caetano Veloso cantando Tropicália, Chico Buarque e Gil cantando Cálice ou Geraldo Vandré, Pra não dizer que não falei de flores, entre outros artistas considerados subversivos pelos militares e pelo CCC, o raivoso Comando de Caça aos Comunistas, formado por jovens de extrema direita da universidade paulistana Mackenzie:

 

Em 1968 a peça "Roda Viva" começou a ser encenada. Teve vida curta. O recrudescimento do regime e as organizações de direita se encarregariam de tirá-la dos palcos. Em São Paulo, a Universidade Mackenzie, na rua Maria Antônia,em frente à USP era um dos centros do temido CCC - Comando de Caça aos Comunistas. Uma organização que recrutava seus membros entre os jovens menos politizados (e geralmente mais ricos) e organizava ações violentas contra quem eles chamavam de comunistas ou inimigos do regime. Um desses alvos foi a peça de Chico. No dia 17 de julho, um dos grupos do CCC invadiu o Teatro Galpão, em São Paulo. Os cenários foram destruídos e os atores espancados. À medida que o regime dos generais endurecia, seus seguidores iam mostrando as unhas. Do outro lado, a oposição cavava subterrâneos, nos quais muitos se


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perderiam na clandestinidade imposta pelo AI-5, de 13 de dezembro de 1968. (RIBEIRO, 2003 )

 

 

Washington, que com 12 anos havia lido toda a obra de Scott Fitzgerald, de O grande Gatsby, O ultimo magnata, Este lado do paraíso e Suave é a noite aos Seis contos da era do jazz, confessa-se apaixonado desde então pelo estilo de vida libertário e fora dos padrões dos loucos anos pintados por Fitzgerald:

 

Naquele momento [1964], enquanto o Brasil se fechava para o mundo sem que eu tivesse consciência, o mundo se abria para mim através das personagens de Fitzgerald, também sem que eu me desse conta. A maluquice, entre aspas, daquelas personagens ajudou a construir minha maturidade precoce, (...) (OLIVETTO, 2004:126)

 

 

Era 1968 e São Paulo vivia um clima de Quartier Latin, na rua Maria Antonia, Centro ( Vila Buarque), onde ficava o prédio da Filosofia da USP, da FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e também da vizinha Mackenzie dos conservadores do CCC. Segundo depoimento ao jornalista Gilberto Dimenstein do pintor pós-moderno paulista Claudio Tozzi, que cursava a FAU na época, os estudantes fervilhavam naquela região:

 

"A Maria Antônia era o nosso Quartier Latin", afirma Tozzi, referindo-se ao boêmio bairro parisiense que, em maio de 68, viveu verdadeiras batalhas campais. A semelhança com Paris não se referia apenas à contestação violenta. "A região da Maria Antônia era muito festiva, um ponto de encontro, uma parte da cidade agradável e animada", diz Tozzi. ( TOZZI, In DIMENSTEIN, 2003)

 

 

 

A festiva Maria Antonia ficava nas mesmas redondezas da FAAP, que passaria a ser frequentada por Washington menos de um ano depois, quando o prédio da Filosofia já teria virado cinza. Naquele ano de 68, porém, a Rua Maria Antônia ebulia sintonizada com o que avassalava o mundo:

 

No contexto das inquietações mundiais de 1968 - especialmente a revolta dos estudantes da França, as manifestações estudantis da Universidade da Califórnia, Berkeley, a Primavera de Praga, a revolta dos negros nos Estados Unidos - o Brasil também participou do clima convulso com sua própria especificidade. A Faculdade de Filosofia da Maria Antônia estava na intensa movimentação política e cultural desse período. O local era o ponto de encontro dos estudantes, onde todos se colocavam na vanguarda do pensamento


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crítico, numa posição frente às condições sociais, políticas e culturais da época. Era tempo de passeatas, assembléias, manifestos, reivindicações e tudo culminou com o trágico acontecimento de 2 e 3 de outubro de 1968, quando o edifício da Maria Antonia foi incendiado. (Sobre a USP)

 

Nesse cenário agitado, Washington Olivetto adolescente via-se assim: um Gatsby à brasileira, dândi tupiniquim com alma dividida entre o playboy e o hippie, nascido no bairro classe-média da City Lapa e criado na popular zona leste de São Paulo, no Tatuapé - bairro considerado mais de boas posses que de bons gostos - e protegido desde a infância pelos pais, avós e principalmente pela tia Ligia, que proporcionava a ele vida de rico sem ser rico, presenteando-o também generosamente com almoços nos restaurantes mais chiques da Capital e viagens ao Rio de Janeiro, sem contar o famoso Karman-Ghia vermelho cujo pneu furou em frente à agência de propaganda onde, em 1971, Washington entrou para pedir o telefone emprestado para ligar ao borracheiro e, num lance bem ao seu estilo caradura, acabou arranjando o seu 1º emprego, como contou à Istoé Gente ( Ed. 21 de fevereiro de 2000).:

 

Ia para uma das duas faculdades que fazia em São Paulo (e que não terminei). O pneu do carro furou onde havia uma pequena agência de publicidade chamada HGP. Eu era ruim para trocar pneus e então resolvi pedir um estágio. Disse ao dono da agência que tinha furado o pneu e que o meu pneu não furava duas vezes na mesma rua. Portanto, que ele devia me dar uma oportunidade porque senão era ele quem perderia a oportunidade. O sujeito achou engraçado e me deu uma chance. ( OLIVETTO, 2000)

 

A teoria da finesse cosmopolita estranha ao tranqüilo e familiar bairro classe-média baixa do Tatuapé vinha de Fitzgerald,

 

Fitzgeral influenciou também outros dos meus hábitos, como o gosto pela música, inicialmente pelo jazz e depois particularmente por Cole Porter, além de uma visível predileção pelas boas maneiras e até uma certa frescura na escolha de viagens, hotéis, drinques, cardápios e outros detalhes que, para muitos, podem parecer supérfluos, mas que para mim são essenciais. Certamente isso, somado à minha caretice congênita, me motivou a buscar ser bem-sucedido desde muito jovem para poder promover meus próprios anos loucos de uma maneira responsável.(...) (OLIVETTO, 2004:127)

 

 

A prática da teoria de Fitzgerald, antes de Washington começar a trabalhar em propaganda, vinha da tia rica e de seu marido, Armando, como contou à Gula:

 

Uns tios por parte de pai, que eram bem-sucedidos, levavam-me bastante a restaurantes. Era o auge do Gigetto, onde a gente encontrava todos os artistas da época. Ainda criança, conheci o La Paillote, no Ipiranga, com aquele camarão exuberante, e restaurantes clássicos de São Paulo, como o La Casserole, no Largo do Arouche. ( OLIVETTO, 2005)

 

No entanto, à essa suposta sofisticação fitzgeraldiana há que se acrescentar o lado Tatuapé de Washington, pop, suburbano, corintiano, classe-média assumido, sem o mínimo pudor de gostar do popular, um lado inegável em toda a sua obra criativa, capital simbólico fundamental no seu modo de diferir no campo, que ele chama de roubar da vida para devolver ao consumidor sob a forma de propaganda, lado realçado incansavelmente por ele toda vez que convidado a falar em seu estilo, e testemunhado pelo redator e colunista publicitário Stalimir Vieira - seu apadrinhado na DPZ em início de carreira e mais tarde empregado da sua equipe de criação na W/Brasil:

 

Com o ingresso do Washington na DPZ, a linguagem criativa da propaganda dos anos 80 ganharia um tom mais popularesco, até então, restrito aos anúncios de varejo. Só para ficar na mesma agência, eu diria que saía de cena a "erudição" de um Neil Ferreira - ex-jornalista e redator que fazia dupla com Zaragoza - e entrava a "cultura popular" do Washington; o "britanismo" do humor cedia espaço à piada escrachada, tipicamente brasileira. (...) ( VIEIRA, 2003)

 

O movimento hippie pacifista aliado ao movimento feminista Women's Lib, comandado por Betty Friedan nos Estados Unidos, com inspiração em Simone de Beauvoir e sua obra O segundo sexo, entre outras influências, se por um lado dava espaço para a emergência de uma mulher com papéis masculinos, mais participante da vida moderna e integrada à força de trabalho, por outro também propiciava o surgimento de um homem mais feminino, menos machão, anti-herói, até, como o encarnado pelo ator e diretor Woody Allen - muito admirado na época - em seus filmes Um assaltante bem trapalhão ( 1969), Bananas (1971), Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo...( 1972), O dorminhoco (1973) ou o clássico Noivo neurótico, noiva nervosa ( 1977). Um novo homem com permissão para fragilidades, sensibilidades, sentimentalismos, delicadezas, diálogos, enfim, um homem que podia substituir o físico forte e viril por uma conversa inteligente e bem-humorada, como Washington, então um jovem candidato a produtor de bens simbólicos da propaganda

em um mercado que começava a vicejar em consumos parcelados, de carros a TVs e LPs, garantidos pelo chamado Milagre Brasileiro e pelo crédito direto ao consumidor.

 

Tipicamente pensador da publicidade dos anos 70, Washington cunhou uma frase que se constituiu marcante capital simbólico tradutor desse novo homem pós-feminismo, cuja força vem do mais do cérebro que do porte: "Eu sempre achei que o cartão é mais importante do que as flores." (2004: 97)

 

 

Aquilo que Bourdieu chama de lacuna estrutural cabia como uma luva no jeito de ser de Washington. Quem faria tão bem o papel de anti-herói popular culto na publicidade brasileira habitada por redatores britânicos e eruditos - como ressaltou Stalimir - se não um garoto da Zona Leste, Tatuapé, bairro proletário, meio industrial e também das primeiras chácaras vinícolas, que abrigava famílias italianas imigrantes, cortado por um trilho de trem - recém-chegado ao campo onde dominavam os perfis de homens da geração dos anos 40, filhos de uma cultura bem mais machista e conservadora nas relações com as mulheres, sem falar nas tormentas éticas que os acometiam, herdeiros de um pensamento de esquerda filho de Marx e Prestes?

 

Washington, ainda que consciente dos males do regime político da época, pertencia a uma geração que, de maneira geral, acostumou-se a não juntar política com a vida, alienada mais por sobrevivência que por convicção, e que pautou sua carreira por jamais misturar publicidade com política. Nem quando era empregado, nem mais tarde, quando patrão: "Gosto de vender algo que as pessoas possam devolver à loja, caso não gostem. Não é o caso de um candidato", ele ironiza. Inclusive, nos quase 14 anos que permaneceu na DPZ ( 1973-1986), onde circularam importantes verbas governamentais como Receita Federal e Telesp, entre outras - Washington teria pedido para não atender às contas chamadas chapa branca e, por redator-revelação que era, liberado, como ele relata à revista Meus caros amigos ( 2005):

 

Quando comecei a trabalhar em publicidade, o Brasil vivia um sistema político com o qual eu não concordava e eu não queria fazer campanhas do governo. Trabalhava numa agência [DPZ] que foi extremamente carinhosa, respeitosa e bacana comigo, que permitiu eu me dar a esse luxo, me trataram como menino-prodígio, e me


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isolaram, “bom, você só quer iniciativa privada, você fica nessa praia que é bom para a agência”. (OLIVETTO, 2005)

 

 

Nos anos 70, começo da carreira de Washington, havia espaço para um criador mais delicado, ainda que inequivocamente viril. Um criador apaixonado pelas mulheres - sabidamente as grandes interlocutoras da propaganda e as mais importantes decisoras de consumo - a começar pela própria mãe, a quem ele dedicou seu livro Os piores textos de Washington Olivetto ( 2004). Ele confirma, na entrevista à Istoé Gente de 20 de fevereiro de 2000 :

 

A minha relação com mulheres, e incluo a minha mãe, sempre me acrescentou muito. O universo feminino acabou se refletindo no meu trabalho. Se pegar o momento da criação do garoto Bombril, em 1978, o modo como ele se dirigia à mulher era muito contemporâneo. ( OLIVETTO, 2000)

 

 

Como ilustração, atente-se aqui para a personagem do Garoto Bombril (78), uma das mais famosas criações publicitárias de Washington, que não apenas introduz o coloquialismo na propaganda brasileira - inspirado no estilo escrita falada de seu favorito J.D.Salinger, de " O apanhador no campo de centeio" (1951 ) - como passa claramente o discurso do anti-herói muito próximo das mulheres e as seduz não pelo machismo ou pela agressividade, mas pela doçura, fragilidade e até por uma certa dose de sentimentalismo em tom popular, como atesta outra de suas famosas criações para a Valisére, " O primeiro sutiã a gente não esquece". Em relato à Trip # 93 ( fev 2003), ele conta:

 

...sempre gostei muito de mulher, tenho facilidade de me relacionar bem com mulher. Meu sexto sentido vale por uma comitiva de mulheres, tenho o intuitivo muito forte. (OLIVETTO, 2003)

 

 

Em seu livro Intelectuais à Brasileira ( 2001) Sergio Miceli detecta o que considera uma feminilização na carreira de certos intelectuais brasileiros, facilitadora da atuação em um campo de produção de bens simbólicos como poderia ser, por exemplo, a publicidade, campo relativamente novo no Brasil, no final dos anos 60, caudatário do campo dos agenciadores de reclames classificados, cuja carreira havia sido escolhida por Washington:

 

Não é por acaso que, num estágio incipiente de formação de um campo especializado de produção de bens simbólicos, quando ainda não existe uma definição estrita do trabalho intelectual, o trabalho socialmente definido como simbólico recai sobre as mulheres e os homens que com elas se identificam ( grifo nosso) e que por essa via se apropriam dessa espécie de trabalho, ainda um tanto destituído de valor econômico, mas que pode vir a adquirir um valor específico (...) Ele [ este deslocamento] se realiza mediante uma transformação profunda do habitus, de um processo de

 

" feminilização social " (...) (MICELLI, 2001:25-26)

 

Micelli ( 2001:22) observa, estudando os escritores brasileiros do começo do século, que há entre eles duas determinações recorrentes: essa decisão de transformar-se em escritor associa-se à sua posição privilegiada na fratria (por exemplo, ser filho único, primogênito) ou ao seu handicap social ( falência, morte do pai, mas manutenção da network familiar), handicap biológico ( p.ex. tuberculose), ou, ainda, a estigmas físicos, que ele chama de hexis corporal ( p.ex: surdez, gagueira), condições que propiciam o desenvolvimento exacerbado da sensibilidade - capital básico de escritores - tipicamente atribuída ao feminino. Para o autor, a impossibilidade de assumir um papel masculino pleno, atuante, abre caminho para o papel da intelectualidade, o feminilizado.

 

Ao contrário dos redatores publicitários da época em que começou ( 1971), cuja primeira escolha profissional não tinha sido a publicidade, mas desvios de suas carreiras originais de jornalistas como Neil Ferreira, sociólogos, advogados, estudantes de Letras, entre outras, Washington escolheu, de livre e espontânea vontade, ser publicitário. Sem pudores éticos, remorsos marxistas ou sensibilidade a patrulhas ideológicas. Para haver o desvio, é necessário não ter receio de ser diferente, realça Luciano Miranda ( 2000) sintetizando, sem deixar dúvidas, que existir em um campo é diferir. Para Washington, ser publicitário não feria seu foro íntimo como o de seus antecessores, conforme declarou à revista Trip, em 2003:

 

 

Sou um publicitário que nasceu ( grifo nosso) publicitário, gosto de renovar a palavra publicidade. ( OLIVETTO, 2003 )


 

 

Naquela época, só alguém considerado muito alienado ou com auto-estima extremamente elevada teria o atrevimento de se sentir nascido publicitário, sem arriscar-se ao patrulhamento ideológico de seus pares, boa parte deles vinda das hostes ditas puras da literatura,

do cinema, do jornalismo, das artes. Washington, no entanto, mimado por todos que o rodearam e com um capital cultural que o blindava de aceitar ser chamado de ignorante, havia construído tal auto-estima que seu ego ampliado o centrava e o protegia das possíveis rejeições, mantendo-o firme no rumo sua meta: ser o melhor Washington Olivetto na categoria dos Washingtons Olivettos, como ele gosta de se declarar. Ou, como relata Morais ( 2005) ao reproduzir um diálogo de Washington com seu parceiro Gabriel Zellmeister:

 

-  E você, Washington, o que vai fazer da vida? (...)

 

-  Eu vou fazer o possível, 24 horas por dia, todos os dias,

para ser o melhor publicitário do mundo. ( MORAIS, 2005:135)

 

 

Quando Washington diz que todos o protegiam, não estava exagerando. No momento em que ele quis trocar a modesta HPG por outra agência, vários criadores famosos da época ( 71), impressionados com os trabalhos do jovem redator, teriam passado a mão no telefone e ligado para seus pares recomendando que o recebessem e facilitando o caminho para ele, apadrinhado, entre outros, por Hans Damman, da Lage, Damman, Ercilio Tranjan, da Denison, Sergio Graciotti, da Lince, Luis D'Horta, da Standard e João Palhares, da DPZ. O jornalista carioca Telmo Martino, conhecido como das penas mais venenosas da imprensa brasileira, vivia citando Washington em sua coluna, no Jornal da Tarde, de São Paulo, chamando-o carinhosamente de Golden Boy, pelo tanto de medalhas de ouro e prêmios que ganhava em concursos nacionais e internacionais. Francesc Petit, o P da DPZ, diretor de arte, seu parceiro por mais de uma década na DPZ e quase 20 anos mais velho que Washington, falava para quem quisesse ouvir que seu redator era " o maior publicitário do mundo", segundo relato do próprio Washington; e o poeta Mario Chamie, diretor de marketing da Olivetti, nos anos 70, considerava-o o seu "menino de estimação". ( MORAIS, 2005). Washington conta que naquela fase, todo mundo que trabalhava na DPZ tinha uma relação de adoração com ele.

 

Bourdieu (1996:306) afirma, citando Karl Popper, que do encontro entre uma "situação que coloca o problema (...) e um agente disposto a 'reconhecer' este problema 'objetivo' e torná-lo um 'assunto seu ' (...) é que se determina a solução específica". Para ele, o chamado espaço dos possíveis já está inscrito antes da ação acontecer, no que ele chama de arte de inventar já inventada. Mas, é preciso haver a recíproca de um habitus vivendo dentro do ator social, que impulsione àquela mudança.


Como Washington contou à About:

 

Da turma que começou comigo, eu era bem diferente, era aquele que queria ( grifo nosso) ser o publicitário. (OLIVETTO, 1998)

 

 

Washington, ao que parece, com seu ego forte e sólido capital cultural, já encontrava naquele momento histórico específico, um espaço dos possíveis bourdieuano inequívoco que o favorecia: alienado ou não, em 1972, quando ele se transforma em redator-revelação, o mercado paulistano de criação publicitária já havia sido profissionalizado pela geração anterior à sua - a da DPZ, da Almap, da Standard, da Norton - inclusive com uma oferta de formação universitária na ECA USP, na PUCSP, na ESPM, no curso de Comunicação da FAAP - Fundação Armando Álvares Penteado, esse último, onde Washington passaria no vestibular e se inscreveria como aluno em 1969, cursando-a junto com a de Psicologia, em outra instituição do bairro Higienópolis/SP, mais tarde chamada Faculdade Anhembi.

 

Como apregoa Bourdieu em As regras da arte (1996), a mudança de status do dominado rumo a dominante em um determinado campo é facilitada quando a vanguarda passa a contar também com consumidores daquela illusio - adesão coletiva à crença no fetiche da criatividade - no caso, os estudantes de Comunicação, que conferiam um status acadêmico ao capital específico de criatividade do criador publicitário.

 

Assistindo na FAAP a uma palestra de um dos mais famosos redatores publicitários da época - Neil Ferreira - Washington teria ficado impressionado, narra Fernando Morais (2005:50) com " a agilidade mental e a articulação daquele sujeito magrinho, de calça jeans de veludo e cabelos cacheados que além de inteligente fazia também muito sucesso com as mocinhas". Cultura e mulheres, fortes pontos de atração para o adolescente Washington.

 

Outro espaço dos possíveis muito claro na carreira de Washington deve-se à Rede Globo, que, como ressalta a matéria da revista Vencer ( 2004), ajudou Washington a se transformar em assumido camelô eletrônico nacional, sem a menor vergonha de aprofundar-se no ofício que viu o pai Virso

e o tio Armando praticarem a vida inteira, com muito orgulho, muitos prêmios, e ao que se sabe, razoável compensação financeira: o de vendedores.

 

 

Com sua vocação de grandeza, qualidade apurada e estética ainda hoje imbatível, a Globo puxou para o alto todo o mercado publicitário de televisão. (...) Washington Olivetto navegou com bastante desenvoltura na nova onda. Tanto que ele, certa vez, chamou a si mesmo de "camelô eletrônico". (WEVER, 2004)

 

 

Os dois cursos de graduação que Washington nunca concluiu, pois acabou se dedicando à carreira a partir dos 19 anos, eram freqüentados por ele mais por esporte que por estudo. Esporte era o convívio com colegas, viver rodeado de mulheres, fazer graça para as moças com sua verve aprendida prematura, já no treino da construção do seu capital social singular que o fazia sempre diferente dos outros. O estudo era quando queria, quando gostava da matéria e até frequentando determinadas aulas de outros cursos que não o seu, se o tema lhe interessasse. " Sou um curioso profissional", ele afirma, em uma de suas centenas de entrevistas.

 

Sua curiosidade foi importante ponte para o seu sucesso bastante jovem. Com apenas seis meses como redator, já na sua segunda agência, a Lince, sob a direção de criação de Sérgio Graciotti, Washington ganhou seu primeiro Leão de Bronze em Cannes ( 1971), com um comercial chamado Gota, criado para uma espécie de peça de vedação da torneira Deca, que impedia o pinga-pinga. Ousadamente, para o padrão visual da época, o comercial mostrava só a boca da torneira, vista de baixo, em big close, pingando intermitentemente e, na última cena, o pingo sugado de volta, para dentro da torneira. No áudio, o locutor informava em off das vantagens de vedação da peça e encerrava: "A partir de agora, se a sua torneira vazar, é porque você esqueceu de fechar". ( MORAIS, 2005:66) Esse primeiro prêmio em Cannes, que Washington ganhou com apenas meio ano de carreira, fez com que ele extrapolasse a mídia especializada e fosse parar na mídia dos negócios, reconhecido em 1972 como " a revelação da propaganda brasileira", segundo Morais ( 2005:67). Revelação que sabia como ninguém usar seus capitais para se tornar famoso no campo, reforça o colunista publicitário Ehrlich, do site A janela publicitária:


 

Washington Olivetto sempre soube que em propaganda é fundamental ser conhecido. 

 

A Janela Publicitária é testemunha disso

desde seu primeiro ano, em 1977. Quando a coluna promovia a premiação

"Seleção da Janela", quase que semanalmente Olivetto telefonava de São Paulo 

para nos chamar a atenção para algum anúncio seu que estivesse sendo veiculado no 

Rio naquele dia ou no dia seguinte. ( EHRLICH, 2000)

 

 

Além de usar a mídia em seu favor, Washington soube como ninguém antes dele aproveitar as oportunidades que tinha para projetar-se em duas plataformas: vendendo suas campanhas com confessa autoria sua, tête a tête aos clientes da DPZ - empresários do porte de um Olavo Setúbal, por exemplo, presidente do Banco Itaú e ex-governador de São Paulo, entre outros; e proferir palestras pelo Brasil e pelo mundo, primeiro como redator superpremiado, depois mais tarde como o megapremiado presidente da W/Brasil, tarefa a que, segundo Morais ( 2005: 158), todos os outros redatores se furtavam e ele, " louquinho por um brilhareco" conforme suas próprias palavras, agarrava com as duas mãos.

 

Depois do Leão conquistado com a torneira Deca, o salário que Washington ganhava na agência Lince, dos R$ 2.800,00 que recebia na HPG tinha saltado para R$ 18.000,00, em menos de um ano. Em 1972, a Lince funde-se com a agência de Julio Ribeiro e Armando Mihanovich e vira MPM-Casabranca, onde Washington viria a conhecer o artista plástico e diretor de arte Gabriel Zellmeister, amigo leal que estaria quase sempre ao seu lado, mais tarde na DPZ, para onde Washington mudou-se em 1973, e ainda, em 1989, quando transforma sua multinacional W/GGK em W/Brasil. Aliás, perguntado em um perfil ping-pong de um site de esportes sobre qual sua melhor qualidade, Washington responde, a palo seco: lealdade. " Nao conheço nenhum cachorro mais leal do que eu", ele garante, de novo, em entrevista à About (29/09/1998).

 

Pois foi exatamente esse valor - a lealdade - tão entranhado em seu habitus, que acabou movendo Washington a finalmente tomar a decisão de sair da DPZ e fundar a sua agência, depois de tantos anos e de tantos convites tentadores de multinacionais como a suíça GGK, admiradora do seu trabalho criativo constantemente premiado em Cannes, onde conheceu Paul Gredinger, um dos gês da GGK. Lealdade a seu amigo Gabriel, que embora simples funcionário, e ainda que bem situado na hierarquia, vinha já há algum tempo sugerindo ao chefe Petit - sem ser perguntado - decisões administrativas de enxugamento de equipe e fechamento de escritórios, que acabariam desagradando
 ao P da DPZ. A verdade, segundo Morais ( 2005), é que Petit e Gabriel nunca simpatizaram um com o outro, talvez ciúmes, pelo profundo afeto que ambos nutriam pelo mesmo redator. Um dia, em março de 1986, quando Washington estava no Rio de Janeiro, em reunião, Petit mandou o departamento de RH demitir sumariamente Gabriel Zellmeister da DPZ. Quando voltou de viagem, Washington teria ido tirar satisfações do diretor de arte catalão. E Petit, breve e claro, respondido:

 

 

O Gabi era ótimo, mas estava disputando o meu lugar aqui dentro, e a agência é minha. Eu sou o dono, então demiti. ( MORAIS 2005:232)

 

 

 

 

De publicitário a publicitário do século

 

 

 

 

Ruptura. Petit era o dono, Gabriel, não. E nem Washington, que, embora dito por muitos, inclusive por Nizan Guanaes, como "a quarta letra da DPZ", jamais recebeu de Duailibi, Petit ou Zaragoza convite para se tornar sócio. Bem ao contrário. Esse não-convite era inclusive de caso bem pensado, como explica Petit:

 

Não abro mão de um tostão da minha participação para ninguém. Muito menos para o Washington. Gosto muito do Washington como parceiro e amigo, mas ele não é de aceitar ser minoritário em nada. Ele não pode ser o sócio menos importante, não passa pela cabeça dele algo diferente. E a presença dele aqui iria destruir a sociedade existente entre nós. ( PETIT, in MORAIS, 2005: 218)

 

 

A partir do dia da demissão de Gabriel da DPZ, segundo Morais ( 2005) Washington começou seriamente a pensar em abrir a sua própria agência, que teria mais a ver com um projeto diferente de agência que com dinheiro.

 

Bourdieu (1996) observa que uma revolução bem sucedida é o produto do encontro entre dois processos relativamente independentes que ocorrem no campo e fora dele. Naquele momento histórico da demissão de Gabriel (1986) acontecia um processo externo ao campo da publicidade que já começava a tangenciar cada vez mais de perto o campo da publicidade: um processo chamado globalização. Grandes empresas esparramavam seus braços pelo mundo, buscando produzir onde era

mais barato, montar onde o custo valia a pena e vender mundialmente, com margens menores mas ganhos de escala, ampliando os seus mercados. Caíam as fronteiras e as grandes agências de propaganda, cada vez mais pertencentes a grupos de comunicação gigantescos nas mãos de players administradores de sociedades anônimas, precisavam aumentar o valor de suas ações e seus dividendos e também, com suas contas alinhadas mundialmente, precisavam seguir no rastro das expansões de seus clientes, agora em uma dimensão muito mais ampla que aquela dos anos 40, onde a agência Thompson veio ao Brasil atrás de seu cliente GM.

 

Bourdieu ( 1996) também ensina: o capital social e o cultural tramam o capital econômico. No campo da produção cultural, tudo começa com um pretenso desinteresse pelo interesse, feito Washington demonstrava, ainda no seu 13º ano na DPZ, aparentemente sem pressa de trocar e agência, ponderado e estratégico como nos primeiros anos de sua trajetória: " No início da minha carreira, eu tive a sorte de sempre optar por ganhar menos para aprender mais", ele conta, em entrevista à revista About ( 1998).

 

 

Sua qualidade de leal, - " gosto de vestir a camiseta de onde estou", ele teria dito em uma entrevista - o fizeram permanecer quase uma década e meia na DPZ, para onde se mudou vindo da Casabranca, em 1973, e onde permaneceu recusando salários ainda mais milionários dos que o seu tradicionalmente milionário, porque, entre outras coisas, na DPZ ele tinha vantagens, projeção, trabalhava entre amigos, era respeitado, fazia o que queria e o que gostava, era mimado por todos, o menino-prodígio de uma equipe de colegas mais velhos com os quais saía todas as noites para beber nos lugares mais badalados de São Paulo - Anexo, Plano's, Rodeio, La C'adoro - e além disso era ainda o palestrante oficial da agência, acumulando capital simbólico também fora do campo da publicidade - no campo acadêmico, corporativo, esportivo, musical - enfim, era o caçula e o reizinho, como sempre foi, desde menino.

 

Na DPZ, em dupla com Francesc Petit - que na época do seu ingresso tinha 38 anos enquanto ele apenas 21 - Washington criou campanhas que atravessaram o século e as fronteiras. A do Garoto
Bombril (1978), por exemplo, chegou a ir para o livro de recordes Guiness como a campanha com

o personagem que mais tempo ficou em cartaz. Na DPZ, também, Washington continuaria sua precoce carreira leonina de Cannes. Ao ver o pai Virso que havia acabado de se formar em Direito ser barrado em anúncios de emprego por ter mais de 40 anos, Washington criou um comercial de TV onde mostrava Churchill, Gandhi, Einstein, De Gaulle entre outros famosos já idosos, dizendo que todos eles tinham mudado o destino da humanidade e que todos eles, também, tinham mais de 40 anos. Finalizava afirmando que o Brasil não podia abrir mão da experiência dos seus homens com mais de 40 anos e pedia aos empregadores que abolissem dos seus anúncios essa barreira da idade. Resultado: Leão de Ouro em Cannes.

 

Começava ali, em 1973, a sua estrela internacional, onde construiu importante capital social com seus pares do chamado 1º mundo da publicidade: Inglaterra e Estados Unidos, ajudando a colocar o Brasil no podium internacional, considerado nos anos 90 o terceiro país mais criativo do mundo, em publicidade, junto com os outros dois países anglo-saxões. Uma questão de criatividade mas, também, como próprio Washington ressalta, de visibilidade, como uma "espécie de certificado ISO 14000 das minhas qualidades", ele ressalta. ( 1998, revista About).

 

Quando comecei, a publicidade e o publicitário não tinham a exagerada aceitação social que têm hoje. Indiretamente tenho grande mérito e culpa nisso. Fui o cara que inventou essa visibilidade. Muitos publicitários de talento se prevaleceram disso, mas alguns entenderam errado e imaginam que o negócio é ficar famoso e depois fazer uns trabalhos. Isso gerou uma visibilidade desproporcional até ao tamanho desse negócio. ( OLIVETTO, 1998)

 

 

Entre o primeiro Leão em Cannes de 1971 e o começo do terceiro milênio, Washington acumulou em torno de meia centena de troféus do festival francês, afora centenas de outros em premiações diversas, no Brasil e no exterior, inclusive o raras vezes concedido Grand Prix do Festival Clio, americano, para seu comercial A Semana, da Revista Época ( 2001), prêmios que usou estrategicamente, aqui e ali, para alavancar sua carreira e aumentar seu passe, contagiando agências, colegas, clientes, enfim, o negócio em si da publicidade, fazendo com que os anunciantes passassem a valorizar agências que tivessem sido premiadas. O jornal Gazeta Mercantil ( 1999) registra ano
 após ano o dábliu - misto pessoa física e jurídica - como um dos criadores publicitários a quem

os maiores anunciantes do Brasil admiram, paripassu com a outro ex-redator de sua equipe, Nizan Guanaes:

 

Pesquisa realizada pelo jornal Gazeta Mercantil com as 35 empresas que mais investem em publicidade no País aponta Nizan Guanaes, da DM9DDB, como o publicitário mais criativo e eficaz do Brasil. Ele obteve 14 votos. Em segundo lugar, com 11 votos, aparece Washington Olivetto, da W/Brasil. 8

 

Depois de mais de uma década de sucesso atrás de sucesso, ele havia projetado seu nome lá em cima, tanto no campo da publicidade, como no campo da mídia, como no campo do esporte, como no campo da música, como no campo do business. Havia criado, inclusive, um jeito de vestir à Olivetto: o das gravatas divertidas e o do terno irreverentemente usado com tênis:

 

Assumindo o folclórico visual de criativo publicitário com sua divertida coleção de gravatas, Washington Olivetto não só tornou-se uma grife que transcendeu o mundo publicitário, como conquistou o respeito do próprio mercado, simbolizando, como nenhum outro profissional, o homem de criação que deu certo nesta atividade tão duramente disputada. ( EHRLICH, 2000)

 

 

Obstinado freqüentador da mídia, toda vez que Washington aparecia, aparecia também, naturalmente, a DPZ. Depois de muitos convites para trabalhar no exterior - todos recusados gentilmente - as pessoas começaram a lhe perguntar porque não era sócio da DPZ. Em entrevista à revista About ( 1998), ele explica porque, apesar de ser rei na agência da Avenida Cidade Jardim de São Paulo, nunca foi, como ele diz na entrevista à Trip,( 2003) o dono do castelo DPZ:

 

As pessoas ingenuamente achavam que eu queria sociedade na agência. E a última coisa que gostaria, na minha vida, era ser sócio minoritário do Roberto, do Petit e do Zaragoza. Para quê? Para que eles mandassem em mim? O que eu queria era fazer um projeto (...) (OLIVETTO, 1998)

 

 

Seu projeto rendeu mais que dinheiro e sucesso, fama. Em uma votação aberta pela internet promovida pelo seu site www.janela.com.br, em dezembro de 1999, o colunista Marcio Ehrlich, apontou Washington Olivetto como o publicitário do século, à frente dos 100 publicitários mais famosos, escolhido por 151 dos 324 publicitários votantes convidados

8 Meio & Mensagem, Nizan Guanaes e DM9DDB são os preferidos dos anunciantes.12/05/1999 - 12:30


 a apontar quem mais contribuiu para o desenvolvimento da atividade no Brasil durante o Século XX. Entre os 100 mais votados, figura Washington em 1º lugar, Nizan Guanaes em 3º, Roberto Duailibi em 4º, Francesc Petit em 10º, José Zaragoza em 12º e Neil Ferreira em 13º.

 

 

Sua frequência à grande mídia, porém, não se limitou a notícias esporádicas. Em recente levantamento ( 2006) feito pelo site Ego, o nome de Olivetto aparece entre os dez brasileiros que mais são notícia no exterior.9 Washington já foi capa de Veja, Cult, Meus Caros Amigos, Exame, entrevista na Playboy , na alemã Archive, já frequentou os noticiosos de TV e rádio, centro do programa Roda Viva (TVE) e rodou pelo menos 1 bilhão de vezes nas eletrolas do Brasil, aos embalos de Jorge Benjor, em 1994, com a música Alô, alô, W/Brasil, que vendeu 1 bilhão de cópias e rendeu artigo da editora Laurel Wentz no jornal Advertising Age, o mais famoso jornal especializado em publicidade do mundo:

 

 

Só no Brasil uma música sobre uma agência de publicidade poderia se tornar o hit numero um do país, cantado nas praias e nas ruas e tocado incessantemente no rádio. Tudo começou quando o publicitário de São Paulo Washington Olivetto convidou seu velho amigo, o cantor de música popular brasileira.... ( WENTZ, 1994)10

 

 

Cumprem-se assim as duas etapas que Bourdieu chama de Princípios de hierarquização na conquista da autonomia no campo da produção cultural: a hierarquização externa, quando o grande público avaliza o autor e dá a ele a primazia; e a hierarquização interna, quando os próprios pares, desconhecidos do grande público, reconhecem o valor do colega.

 

No dia 8 de julho de 1986, quatro meses depois da demissão de Zellmeister, Washington convocou 30 jornalistas - da imprensa especializada à geral - para um almoço no restaurante Manhatan, nos Jardins, em São Paulo, e anunciou a sua nova

9 Fonte: DCI, São Paulo, 7 abr. 2006, Mídia & Marketing, p. B1.

 

10Tradução nossa de: Only in Brazil would a song about an ad agency become the country's number one hit, sung on the beaches and streets and played incessantly on the radio. It all started when Sao Paulo adman Washington Olivetto invited his old friend, popular Brazilian singer ( ...) ( WENTZ, 1994)



 

agência em sociedade com a GGK, espetacularizando, ao melhor estilo Debord ( 1997, A sociedade do espetáculo), a sua marca, postura aliás que ele mesmo assume para a W/Brasil, a de servir-se do remédio que oferece aos seus clientes, isto é, a tratar sua agência como uma marca a ser vendida. O que poderia ser visto como uma mera troca de patamar hierárquico em outros campos, no da publicidade foi transformada por Washington em um evento de repercussão desproporcional, sob o mote, claro sustentador de sua incansável realimentação de capital simbólico: " O que tem que ser grande é a idéia. Não a agência", crítica sutil às megagências que naquela década já começavam a acomodar seus corpanzis multinacionacionais desacomodando as pequenas e médias nacionais do mercado.

 

Sua saída da DPZ foi notícia no principal noticioso da Globo, Jornal Nacional, como " a mais retumbante troca de emprego ocorrida na propaganda brasileira nos últimos vinte anos" ( MORAIS, 2005:246). A revista Exame ( idem) prognosticou que quatro clientes da DPZ seguiriam com Washington: Itaú, Nestlé, Grendene e Bombril. Acertou em dois: Grendene e Bombril. A nova W/GGK, onde Washington detinha 50% do capital e os suíços a outra metade, tinha uma equipe pequena, da qual faziam parte Nizan Guanaes e Camila Franco, dois redatores que vieram com ele da DPZ, e mais os outros criadores da antiga GGK, os redatores Ricardo Freire e Rose Ferraz e os diretores de arte Mauricio de Souza e Marc Boss. No atendimento, um jovem diretor de nome Afonso Serra.

 

Entre as megaidéias, Washington inovou as práticas profissionais da criação: mandou derrubar as paredes do departamento de criação; todos passaram a trabalhar juntos - não mais em salinhas fechadas - e em um ambiente 100% informatizado; todas as duplas de criação passaram a defender seus trabalhos junto aos clientes, pessoalmente, junto com o atendimento, e a agência continuava com a mesma posição de Washington pessoa física: não atender nem a conta de governo, nem a de político e construir a agência com "o maior índice de felicidade per capita", slogan que sublinhava a sua posição de que em uma agência de publicidade é preciso saber administrar o astral, - " tão importante quanto a administração do caixa", ele garante - desestimulando a competição interna e estimulando a co-autoria, para que sua equipe comprovasse o que Washington acredita:" é a felicidade que traz a fortuna" e não o contrário.

 

 

Com apenas 6 meses de vida, a agência de Washington conquistou o prêmio de Agência do Ano no Prêmio Colunistas. No ano seguinte ( 1987), foi a agência mais premiada do Brasil, em Cannes, e em 88 e 89, a mais premiada do mundo em Cannes. Na nova agência, o Garoto Bombril continuava suas tiradas parodiando os momentos históricos pelos quais passava país. A Grendene entregava sua conta de Melissa, incondicionalmente. Uma garota usando seu primeiro sutiã levava a marca Valisére ao status de mais lembrada. Um cachorrinho salsicha vendia amortecedores e transformava a raça basset na raça Cofap. Um comercial da Folha de São Paulo mostrando Hitler afirmava que é possível contar uma mentira só falando a verdade. Sutiã e Hitler, aliás, são os dois únicos comerciais brasileiros inseridos no livro da jornalista americana Bernice Kanner (1999), especialista em marketing, The 100 Best TV Commercials And Why They Worked (Times Books), que elegeu os cem melhores comerciais do mundo do século XX.

 

Em 1988, a W/GGK já ocupava o 18º lugar no ranking nacional, tinha mais de 30 clientes e, segundo Morais (2005: 285), " estava deixando de ser vista apenas como uma hotshop que realizava uma Revolução Criativa semelhante às da Almap nos anos 60 e da DPZ nos 70". Para o mercado, a W/GGK se convertera em " uma máquina de fazer dinheiro", ele afirma ( Morais, 2005:295).

 

Com o sucesso financeiro da empreitada e 168 prêmios depois ( MORAIS, 2005:286), em 1989, Washington resolve comprar de volta os 50% dos suíços e nacionalizar sua agência, assumindo a brasilidade com dois novos sócios: o leal brasileiro Gabriel Zellmeister e o leal catalão Javier Llusá. Começava a era W/Brasil. Entre outros trabalhos, inovou a linguagem publicitária para seu cliente Unibanco, fazendo a primeira campanha interativa da TV brasileira, onde os telespectadores escolhiam a dupla que iria encenar o casal Unibanco, façanha que acabou notícia no New York Times, segundo Morais ( 2005). Washington trouxe ao Brasil também Bill Gates para anunciar o Homebanking Unibanco implantado com tecnologia Microsoft. Ao encerrar o comercial de TV que explicava o novo serviço, aflora claramente o espírito irreverente de boneca Emília: quando Washington faz um dos homens mais ricos do mundo perguntar aos telespectadores brasileiros, em inglês, com legendas em português: "por que meu banco não pensou nisso antes?"


 

Nesse mesmo ano de 1989, a cadeia produtiva criativa inaugurada na DPZ gera mais um fruto: Nizan Guanaes sai da W/Brasil e, acompanhado do diretor de atendimento da W/GGK, Afonso Serra, abre a DM9 em São Paulo, em parceria financeira com o Grupo Icatu.

 

Washington deixa de ser o filho da DPZ e passa, indiretamente, ao papel de pai da DM9. <>

 

 

Fonte: Livro Do Porão ao Poder, de Graça Craidy, ( São Paulo: Dialética, 2022: pag 118-143)  AMAZON:https://www.amazon.com.br/por%C3%A3o-poder-publicit%C3%A1rios-trajet%C3%B3rias-Washington-ebook/dp/B0B1VWB88Y



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