A verdadeira loira é a falsa

De falsa loira a verdadeira loira-platinada

Só ela, entre todas as loiras alemoas, austríacas, suecas ou polacas, escolhe ser loira. Não caiu do céu, não veio com o X + Y, não ganhou de mão-beijada. Plim! Nasci! Não. Ser uma falsa loira é coisa de caso pensado. Sofre-se muito para ser loira. Vendo todo aquele glamour, ninguém imagina. Apesar do imenso repertório popular que depõe contra as loiras, é preciso reconhecer. Ser loira de farmácia - como diz o povo - requer um caráter forte, uma determinação profunda, um estoicismo que só Zenão de Cítio. 

Pois há 32 anos, quando eu tinha 37 e morava em Sampa, após o final melancólico de um longo namoro, decidi que eu queria desmudar. Não mais uma reles castanha-clara, da categoria simplesinha que não fede nem cheira, a pessoa não é, nem é, não chega a ser uma morena, mas também não alcança ser loira. Quase um limbo, eu diria. 

Por isso, decidi dar um chute na genética. E optei. Eu queria ser loira. Mas não uma loira assim loirinha trigo, categoria agua oxigenada 15 volumes, misto de covardia. Já que eu ia mudar de RG, coragem, que fosse uma coisa heavy metal. Pavor de meio-termo! Mornice, eu? Jamé! Eu queria era ser loira roots, mesmo, Blondor aquele do pozinho roxo e a mais terrível das águas oxigenadas: a 30 volumes. Loiraça Belzebua, sabe como? Aliás, uma vez cruzei com uma moça loira e ela, bem simpática, murmurou cúmplice para mim: - ah, você também é loira 30 volumes? Demorei pra cair a ficha (no tempo que as fichas caíam...) Ah!!!

A primeira vez que pintei, o cabeleireiro não acreditou. Falei loira e o cara entendia loirinha. Falei loooooira e o cara entendia cenoura. Falei loira, pô, e o cara, necas! Foi um tal de pinta e repinta e repinta - tudo na mesma tarde -, que eu corri sério risco de ficar careca e o criatura de arrancar os próprios cabelos, porque cada vez que ele lavava a minha cabeça da tintura, ao ver aquele loiro colubiazol (agora eu peguei pesado, hein?) que eles adoram empurrar goela abaixo de algumas clientes - e que meu pai chamava debochando de cabelo tubiano -, eu só fazia que não e repetia: - loiro, criatura! O que mais eu posso dizer pra tu entender? Até que a criatura deu um grito jogando os braços para cima como quem entrega a alma a Deus e foi lá pro fundo se exclamando: - Minha nossa senhora, ela quer loiro pla-ti-na-do!

Simmm! Eu queria aquele loiro lindo da Kim Novak, da Marylin Monroe, até da Doris Day, vá! Deusas que povoaram os domingos de matinés da minha infância e juventude. Agora eu era heroína e o meu cavalo só falava inglês. Eu queria ser Um corpo que cai. Eu queria ser a loira que Os homens preferem. Castanha, agora, era só uma coisa que vinha do Pará. E pronto, deu, não se fala mais nisso!

Rapá, tinha dia que eu ia pintar o cabelo no salão e rezava umas ave-maria antes. Até descolorir o pobre do fio de cabelo são que nascia teimoso na indesejável cor castanho, aquilo ardia, mas ardia e ardia que até o pensamento lá pras bandas do hipotálamo coçava. Mardito Blondor! Aquilo era duma brutalidade sem par: numa tigelinha, misturava-se um saquinho do pó roxo Blondor com agua oxigenada 30 volumes e mexia-se. Era cousa do demônio preparando o fogo do inferno. Começava a borbulhar, nervoso, louco pra assassinar a cor natural do cabelo da pessoa mais louca ainda que se prestava ao satânico ritual.

Acho que segui nessa trilha da loira platinada por uma década, até o dia em que decretei - como dizia minha mãe - o meu sete de setembro e decidi voltar aos velhos tempos de mim e vestir de novo o meu casaco marrom.
Foi bom, também. A alminha imoral assossegou e segui incendiando de outros jeitos. Até o ano da suprema libertação de 2015, quando - já em Porto Alegre - decidi deixar o meu cabelo branco. Finalmente eu era de novo uma loira-platinada. Só que natural, sem Blondor e sem o menor sofrimento. 
Nada como o tempo pra gente ser feliz sem doer. Né?
( Graça Craidy)
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