Bravos negros do RS

Li que, na época da escravidão no Brasil, os negros que foram mandados para o Rio Grande do Sul eram escolhidos a dedo entre os que mais fugiam, os que mais se rebelavam, os que mais desobedeciam. E que serem transferidos para cá era uma espécie de castigo, de punição por sua não conformidade com a condição de escravos.
Li também que, justamente por isso, por sua sabida valentia e espírito de luta, eram mantidos em duro controle por feitores e mandaletes e que havia nos ambientes de trabalho - como nas charqueadas, por exemplo, tão bem retratadas por Danubio Gonçalves - uma altíssima tensão entre os opressores e os oprimidos, dado que a qualquer momento poderia irromper uma revolta e os negros escravos, armados de seus instrumentos de trabalho cortantes e letais, atacar aqueles que os dominavam.
Li ainda em pesquisa sobre a mulher escrava no Rio Grande do Sul, através da análise de Boletins de Ocorrência da época, que muitas reagiram com violência aos maus tratos de seus patrões, inconformadas com tanto trabalharem para nada receber além de opressão.
Li também que só no Rio Grande do Sul existem hoje 130 quilombos, como todos sabem, as comunidades fundadas por escravos fugidos que funcionavam como pequenas aldeias autossuficientes em alimentação e protegidas dos capitães do mato.
Li , claro, sobre os Lanceiros Negros, bravo batalhão de soldados negros que lutou pelos Farrapos em troca de alforria e foi traído e dizimado por seus contratantes na Batalha dos Porongos.
Li, da mesma forma, que o chamado Dragão do Mar, escravo almirante que liderou a Revolta das Chibatas, em 1910 (21 anos depois da abolição, portanto) contra a punição dada pelos oficiais brancos da marinha aos marinheiros de baixa patente, a maioria negro ou mulato, era o gaúcho João Cândido Felisberto, nascido em Encruzilhada do Sul, imortalizado na música Mestre-Sala dos Mares, de Aldir Blanc e João Bosco.
Diante de tantas manifestações de grandeza e bravura, e conhecendo hoje muitos dos seus descendentes, na música, na arte, por onde transito - como a imortal e brava Magliani -, chego à conclusão que os negros gaúchos são muito valentes porque sua descendência foi forjada na rebeldia histórica dos seus antepassados.Seus herdeiros trazem no sangue essa inconformidade com a desigualdade e com a opressão.
E assim, lembrada pelo grande Aldir, renovo minha admiração e canto também: - Salve o navegante negro que corre no sangue de cada negro gaúcho herdeiro de sua valentia, montado na sua razão.
( Graça Craidy)

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