O frio estava de bater queixo e resolvi ir à sauna. Era bem numa época em que eu ainda tinha paciência de amarrar fitinha de Bonfim no pulso, dar os tradicionais três nós acompanhados de três desejos e carregar aquele trapo se decompondo e se desbotando por meses a fio até rebentar sozinho, momento mágico em que os tais desejos virariam realidade, segundo a crença baiana.
E lá me encontrava eu na sauna, de prosa com uma garota duns 15 anos, tanto ela como eu com a medida do Bonfim já esfarrapadinha amarrada no pulso. Sorri pra ela e falei: “ - olha! eu também tô com a fita do Bonfim!”
Em vez de me retribuir o sorriso, ela fez uma carinha angustiada e me saiu com esta: “ - ai, meu Deus, não sei o que vou fazer…não quero mais os três desejos que eu pedi!…” Dei risada e sugeri que ela cortasse a fita com uma tesoura. Pimba! O encanto se desfaria, garantidamente, ofendido com o sacrilégio do gesto.
Não sei se ela se encorajou a transformar a medida do Bonfim em desmedida, mas essa cena é inspiradora pra falar de desejos que a gente anela, anela e um belo dia se dá conta que nem deseja mais, que ficou carregando aquele querer prisioneiro dum sonho que se esfarrapou, desbotou e não aconteceu. E, por não acontecer, a gente fica frustrada, infeliz, arruma álibi pra se queixar pelos séculos dos séculos.
Antigamente até eu achava isso bacana. Lembro que dei uma camiseta pra todos os meus sobrinhos onde se lia: “Nunca te esqueças do teu sonho de criança.” Mas, hoje, penso de outro jeito. Acho que existem tantos sonhos pra serem sonhados que ficar grudado num só é até falta de imaginação. A vida não pode se resumir a um sonho, caramba! Senão, se ele não acontece - não importa por que razão - a gente vai jogar a vida no lixo?
E depois, tudo é tão gerúndio, o repertório da gente vai se enriquecendo de tantos novos saberes e quereres que um sonho que se sonhou lá longe não necessariamente é o melhor sonho que se poderia sonhar, pensando na outras mil gavetinhas dentro que vamos abrindo pelo caminho.
Meu pai, por exemplo, que era um grande médico, um dia largou a Medicina pra realizar outro sonho que ele deve ter se dado conta muito mais tarde que na infância: virou marceneiro. E tenho certeza que era feliz como um menino cada hora que passava enfiado em sua marcenaria a fabricar berços, mesas e baús encantadores pra presentear os amigos.
Por isso, querido leitor, se você ainda é refém de um sonho que não aconteceu e todos os dias se martiriza por ele, tenha dó! Descubra outro entre os bilhares de sonhos que pairam por aí. Pra começar, passe numa padaria e coma um sonho daqueles feitos na hora, com creme de baunilha, açúcar, canela, e lambuze os beiços. Você vai ver a delícia que é curtir um sonho novinho em folha. ( Graça Craidy)
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Um blog à beira de um prozac. Reflexões sobre pós-modernidade, criadores publicitários, artigos acadêmicos, vida real, memórias, xingamentos, declarações de amor e desaforos em geral.
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Breu. Estamos todos destinados à eterna incompreensão. Aceite. Ou continue aí se torturando ondefoiqueuerrei. Cada um de nós é uma caixa pr...
Yara Carvalho escreveu:
ResponderExcluirCurti e compartilhei ;- )
Adriana Gragnani escreveu:
ResponderExcluirQue tal cortar as fitinhas?