I love Paris in the summer.

- Chora, não! ela me sussurrava, irmã, no meio da garoa fina de outono que roubava o brilho dourado das esquinas parisienses.

E eu secava o olho nas costas da mão, disfarçando a estranha dor de ausência do amor que tinha virado ex e ainda me rasgava o peito, dor acirrada pela desluz da acinzentada Champs Elysée.

Ela viu antes de mim, até, quando, no metrô, levantei o olho e esbarrei no inesquecível azul dos olhos de um homem super elegante, me olhando parecia entre encantado e surpreso de me encontrar ali, mais uma naquela multidão de gentes solitárias e enrijecidas pelo frio e solidão.

Ele me olhava como se tivesse me pescado triunfante numa rede de descorados seres e descoberto em mim um vermelho, talvez o da boca, quiçá o do coração sangrando.

Assim como o vi, baixei o olhar, nem adiantou ela me cutucar - sorria, mulher!-, eu carregava na mala, pela primeira vez na vida, um profundo medo de olhares desconhecidos. Onde a antiga inconsequência que tantos sorrisos colheu viagens afora?

Quando fomos ao Museu Picasso, ela queria pular a parte do cubismo. - Gente-monstra aos pedaços, quero, não! Tive que explicar que o gênio de Picasso propunha o olhar simultâneo de todos os ângulos, num só, e só então ela parou pra dividir comigo o desaforo colorido de Dora Maar.

- Notre-Dame quer dizer Nossa Senhora, ela me explicou, feito tivesse acabado de descobrir a pólvora, quando entramos as duas na catedral.

A luz bruxuleante das velas carregadas de rogai por nós e je vous salues a deixava meio nervosa, quase nem consegui acabar de rezar pedindo que a Dame deles me iluminasse o caminho, neste continente e no outro.

- Prefiro os cafés, ela me desafiava, atéia e à-toa. Les Deux-Magos, Café de La Paix, mais de uma vez sentamos as duas com aquela disposição para o desperdício de tempo que só um café em Paris constrói.

Mas, enquanto ela olhava curiosa ao redor, querendo beber de todos os olhares a intenção do novo, eu me encolhia em pensamentos remoídos no pasmo da infelicidade que tinha trazido na bagagem.

E nem adiantava um alemão simpático ao lado me tartamudear mensagens de beautiful-woman-will-never-be-alone, que só conseguia arrancar de mim um sorriso torto. O que faz o desamor!

Volta e meia ela brigava comigo, que eu não tinha vindo de tão longe pra ser infeliz, que Paris ia me trazer fados inaugurais, mas quê! Eu só fazia pôr um pé depois do outro, me arrastando pelo Marais. Eu sou triste triste triste de Marais, é sim.

Um dia, ela decidiu: - Vamos ao Moulin Rouge! Alez parlez avec Toulouse Lautrec! Tolouse, nada... Mais me pareceu to loose. Achei aquele Moulin Rouge pasteurizado, de mentira, pra americano ver.

E, não bastasse isso, ainda um velhote sentado em minha frente, vestido de listrado da cabeça aos pés e com cara de colarinho maduro dos sem-banho-hace-mucho, achou de me convidar pra continuar o programa noutro lugar. Ara, merci bocu, vá tomar na rima, messiê!

No Museu Rodin, minha companheira de viagem teve que me puxar pelo braço pra ir embora, fascinada que eu estava com as esculturas de Camille Claudell, ela que como eu tinha sido abandonada, a perda chorada na pedra.

Ele, Rodin, não: olhar pra fora, portas do inferno, os revolucionários Burgueses de Calais, o escritor Balzac derramando a pança fora da roupa, o escândalo de esculpi-lo nu e gordo, O Beijo, a obsessão pelo perfeito. Rodin e Camille, tormentos universais. Eu, no viés, solidária com eles. Mas, no fundo, comigo mesma.

E vinho, muito vinho. E lá vinha minha parceira sedenta de Paris: - Troco o Louvre por qualquer restaurantezinho com Menu de Jour completo, debochava.

Ela achou très legal os franceses haverem transformado as pedras da prisão de Bastilha numa praça de concórdia. - Uns humanistas, esses inventadores de liberté, egalité, fraternité: primeiro sangram, depois fazem praça pra cicatrizar! - resumiu, zombeteira e pragmática.

Aqueles 20 dias em Paris foram pródigos de andanças, mesclados pelo cheiro acre de urina do metrô e o amanteigado oloroso dos croissants, onde brigamos muito, eu e ela, cada uma puxando prum lado: eu, para dentro de mim, ela, para os imãs parisiens.

Até que não aguentei mais carregar minha tristeza encasacada e abreviei a viagem.

Ela ficou amuada comigo para sempre. Jurou nunca mais me acompanhar pelo mundo.
Aceitei. E jurei, também, ali mesmo, de pé junto: jamais de la vie que eu ia viajar
de novo, só eu e ela. Só eu e a minha maldita solidão. ( Graça Craidy)

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12 comentários:

  1. Lilian Honda escreveu:

    ""merci bocu, vá tomar na rima, messiê!". Adorei!"

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  2. Miryan Ribeiro Lima escreveu:

    "Gracinha te gosto muito e descobri te lendo ultimamente que você é uma de minhas escritoras favoritas........vai escrever bem e gostoso sô..... beijos Miryan"

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  3. Ney gastal escreveu:

    Li teu perfil.
    Tô te ganhando.
    Sou síndico.
    Mas aceito trocar.
    Quanta incomodação...
    Legal o blog.
    Beijo,
    Ney

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  4. Gracinha, fiqui impressionado com essa tua sensibilidade para sangrar em praça pública, num tom poético, romântico e absurdo, de tal modo que a gente sangra junto contigo. Bjs Paulo Tiaraju

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  5. Eu não fiqui,eu fiquei, certo? PT

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  6. Paris emoldurando a mulher: "Solidão e Poesia" Que quadro belo!
    Hanno

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  7. leio teu blog emocionada e contente da vida, orgulhosa de ser tua amiga. Que maravilha reunir tão grandiosamente o que dizer com o saber dizer. beijo

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  8. Monica Levi escreveu:

    Oi Graça:
    Maneira maravilhosa de escrever e transmitir os sentimentos dessa viagem que também compartilhei e que te fez chegar a um lugar muito bom.
    Abs
    Mônica Levi

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  9. Zeca escreveu:

    muito bom, d+!, mas meu comentário
    não é registrado no blog de jeito nenhum.
    deus é +!, como se escreve em minha terra.
    peço licença pra botar no
    http://zecabirds.blogspot.com
    na seção "Opaisso!"
    embora o blog nem esteja na praça ainda, mas
    vai estar!
    beijo
    zeca

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  10. Esta é uma nova mulher.Maravilha.Tudo acontece quando a gente descobre esta nova mulher.Maria da Graça fico muito feliz em ler tua obra. Um beijo de um admirador. Ayrton Cordova Konze (Kaytano)

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  11. Rose Ferraz escreveu:

    Lindo post, Graça, adorei. Conheço exatamente o que você viveu. Mas Paris sempre vai me apaixonar mais do que todas as paixões e sempre vai me deixar de Marais, Marais de bem.
    Pena que desta vez o frio e a gripe tenham sido mais fortes do que a minha Résistance.

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  12. Fernando Savian escreveu:

    Oi Graça, tudo bem contigo?
    Já faz um tempo que queria te falar isso, mas me tornei uma espécie de leitor assíduo do teu blog! hehehe... Adoro as histórias que tu conta, teu tom de humor sarcástico, a maneira como coloca as coisas.
    Segue segue, não para! hehehe
    Beeijo,
    Fefe

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