Bucho é a mãe, Skol.

Em frente ao altar, o noivo de um recente comercial da Skol interrompe a cerimônia de casamento e diz para a noiva que antes de prometer fidelidade, primeiro ele precisa saber se ela promete ficar gostosa para sempre. Que nem a Skol - ele esclarece - de quem se diz fiel, pois a Skol não muda nunca, é sempre gostosa. E explica a razão de sua demanda: - a mãe, por exemplo, ficou um bucho!

Mãe-bucho. Noiva-cerveja. Minha nossa senhora do bom parto! Não podia ser mais pertinente esse comercial da Skol, inda mais se veiculado próximo ao Dia das Mães. Uma esperteza de marketing invejável. Peter Drucker teria orgasmos. Philip Kotler aplaudiria de pé. Al Ries enlouqueceria.

Imagina, que sacada de mestre! Enquanto todos cantam loas e fazem cuchi-cuchis às mamães, a Skol ousa o caminho diferente e não se vexa de tropeçar no sagrado. Praticamente xinga a mãe de todo mundo, representada ali pela mãe do noivo, de quê? De bucho.

Será que eu ouvi bem? Bucho bucho? Aquilo que se faz comida popular de panelão, assim, tipo bucho de bode, bucho com feijão branco, buchada? Aquela coisa nojenta, mole, malcheirosa, cheia de escamas peguentas. Aquele cruz-credo. Mãe? Sim, eu sei o que quer dizer bucho. É aquele lugar de onde saiu o rapaz que está ali falando, quando ainda era um projeto de ser humano e a mãe dele engordou pra ele nascer lindo e são de lombo.

É o próprio filho - atenção, galera da piada pronta: não é o genro nem o enteado - que chama a mãe de bucho. E o próprio pai, marido da mãe, do alto da sua elegância, boniteza, esbelteza, juventude eterna, que se ri à socapa, cúmplice do monstro vestido de noivo que encarna ali a sua continuação. Leia-se aqui, homens, em geral.

Mas o que é que aconteceu com aqueles criadores bem-humorados da publicidade que criavam Skol há poucos anos, que inventaram o conceito genial de "descer redondo", as brincadeiras gostosas e inteligentes do "tssss", etc etc etc. Ficaram obnubilados, de repente? Beberam cerveja demais? Perderam a noção? Será que precisa dessa grossura inominável, desse humor corrosivo à planeta & casseta e pânico-na-tv pra vender a qualquer preço, pra superar a concorrência na guerra pífia das cervejas?

Na última cena do comercial, o noivo, já em mangas de camisa, bebe uma Skol num balcão de bar com um amigo, e o amigo reforça: - Falou pouco, mas falou bonito! O locutor justifica a grosseria da piada: - Quando a situação é quadrada, Skol, a cerveja que desce redondo. Quadrada? Chamar a mãe de bucho é uma situação apenas "quadrada"?

E eles brindam, pouco se importando com o fracasso do casamento. Aliás, as mulheres que assistem a esse comercial certamente devem pensar: sorte da noiva! Livrou-se de um imbecil. Cusp!

Não me venham dizer que me falta humor, que ando rabugenta, que é tudo uma grande brincadeira, porque não é. O problema é ético, é de conceito. A questão é que o comercial, como fruto da cultura, revela em si um pouco do que se passa no contexto da cultura onde aquele produto é consumido. E desconfio que algo de podre começa a feder no reino das relações familiares onde os papéis de pai, mãe, filho andam todos de pernas para o ar. Seria? Farejo também que há algo de muito estranho rolando entre homens e cervejas. Pelo menos, entre homens e cervejas nos comerciais.

Parece que todos ficaram idiotizados, hipnotizados, infantilizados, que fazem qualquer coisa, mas qualquer qualquer, por uma cerveja. Como se cerveja fosse a coisa mais importante do mundo. Mais que casamento. Mais que mãe. Mais que amor. Mais que tudo. Cerveja. E os amigos da tchurma.

Sim, porque não sei se você percebeu, mas eu detecto uma certa homoerotização e misoginia no reino da cerveja, onde a mulher só entra ou como uma bunda-peito sem cabeça ou como uma chata invasora que só aparece pra estragar a curtição dos rapazes. Ops! Até quando esses rapazes crescidinhos vão ficar fechados em turma, iguais aos garotos do primeiro grau que detestam meninas porque meninas só enchem o saco?

Será que é, mesmo, a coisa mais natural do mundo chamar a mãe de bucho e comparar a mulher com cerveja - comparar, aliás, e perder! - e, no final, em vez do mocinho ficar com a mocinha, acabar sempre com outro mocinho?

Por outro lado, lembro que lecionei quatro anos na faculdade de publicidade da ESPM-RS, convivi bastante com rapazes dos 17 aos 25 anos, pretensamente o público-alvo da Skol, e imagino que eu tinha até um bom diálogo com eles. Pois, a não ser que eu seja muito desligada, nao me consta que nenhum deles teria a desfaçatez de pensar em sua mãe como bucho ou em sua namorada como menos gostosa do que uma cerveja. Aliás, Freud diria que muito mais provável eles desejassem um dia encontrar uma namorada tão bacana como suas mães, édipos que todos somos.

Então, eu me pergunto: afinal, quem são esses rapazes idiotas que a propaganda da Skol está tentando representar? Seriam os próprios rapazes que criaram a propaganda da Skol? (Graça Craidy)

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4 comentários:

  1. Tens toda a razão Gracinha. Onde será que eles fizeram as pesquisas, para encontrar um grupo de pessoas, que a gente só vê em comercial de cerveja? Acho que é um grupo de ETs, pois só existe em comercial de cerveja. Ou será que estamos muito rabujentos?

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  2. Maria Luiza Lucchese escreveu:

    Éca! Um mau gosto INTOLERÁVEL!!!

    A tua abençoada e imoderada indignação, Graça, é uma luzinha nesse salve-sequempuder...

    Bj

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  3. Patrizia D.Streparava-Bateman escreveu:

    Menina mas vi o comercial e li seu blog. Estou sem palavras. E tao imbecil (nao seu blog e otimo, digo a propaganda da skol), que nao ha o que dizer a respeito. E depois o povo estranha que alguem sai empurrando o carro em cima de ciclistas. mesmo simples conceito. Como diria a velha boa psiquiatria francesa: idiotas morais.

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  4. Nara Fogaça escreveu:


    Concordo. A Skol não precisa ofender ninguém e, aliás, o pai da noiva é muito mais "bucho'' que a mãe da noiva. Mas homem pode ser bucho porque nunca acredita que é bucho.

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