Verde que não te quero verde



Que me perdoem os chimarristas militantes, chimangos e maragatos, amantes do mate herdado dos charruas que, dizem, não foram extintos, apenas se misturaram tanto com os chegantes que viraram os verdadeiro gaúchos. Mas tenham a santa paciência! Precisa mesmo levar o chimarrão a tudo que é canto como um apêndice de si, um RG miniatura, sem o qual não se sentem inteiros, capazes de existir sem ele?

Hoje, por exemplo, cruzei com dois rapazes vizinhos bem bonitinhos de máscara, todos aparatados para a lida chimarresca com térmica, bolsa e duas cuias de chimarrão - pra não se contaminarem, claro! - pegaram o carro e se foram, decerto a um parque, talvez o Germania aqui do lado, quiçá à Encol logo ali adiante. Estava eu embevecida com a cativante consciência dos rapazes, quando me veio a perguntinha fatal: - tá, duas cuias, que amor, duas máscaras, que catitos, mas e na hora de chupar a bomba, faz como? Enfia por baixo da máscara? Ou baixa a máscara só-um-pouquinho? Duvideó! A máscara deve ser só para antes e depois de cada chimarreada. Ou seja: meodeosss! Não é à-toa que entramos na bandeira vermelha, em Porto Alegre.

Uma vez fui assistir a um evento de palestras na Assembleia Legislativa e quando me dou conta, me caem os butiás do bolso: lá em cima, na mesa debatedora da chamada Casa do Povo, espaço maior das leis, nobre ágora do Estado, circulava uma cuia de chimarrão, bem bela, de mão em mão e todo mundo muito gaúcho, pelo jeito, se achando os mais charruas do planeta. E rrrrroncando a cuia, que, cá pra nós, é a coisa mais nojenta do hemisfério sul, parece aqueles velhos encatarrados à beira de de uma escarradeira prestes a se desencatarrarem. O pior é que é uma questão de honra: quanto mais roncado, mais honrado!

Outra vez, sentada em uma palestra na faculdade onde dava aula, aqui na ESPM, fiquei entre embevecida e estarrecida com o ritual de um rapazinho na minha frente que carregava aquelas malas engalanadas de chimarrão com tudo dentro. Pois o cuera não me fez um mate, montadito com erva e tudo, e morrinho e sabe-se la o que mais, em plena palestra, no de-cor-rer da palestra, enquanto o palestrante se desmilinguía lá na frente, ele se enchimarrou completo na platéia? E sem derrubar um grãozinho de erva, uma gotinha de água quente da térmica, no chão! De esvaziar o estoque de butiás! Mas não pode esperar uns minutinhos e fazer lá fora, nos bancos do pátio? Tem que ser dentro do auditório chique da ESPM, com cadeira de veludo, fina, bacana, civilizada? Taquiuspa, viu?

E não vou nem falar nos imprudentes que dirigem carro tomando chimarrão, loucos pra furar um olho com a bomba! Nem tampouco no cartazete que vi no maravilhoso e centenário teatro de Porto Alegre, o São Pedro, com seus chiquerésimos e gigantescos lustres de cristal, teto todo abobadado com pinturas artísticas e delicadas cadeiras de veludo: "proibido entrar com chimarrão e pipoca". Imagino a criatura embonitada, perfumada e maquiada, me saindo com esta: - não esquece o chimarrão, bem! Noujo!

O máximo do me-tapar-de-nojo aconteceu quando fiz uma viagem para o Egito e no grupo tinha um casal de gaúchos. Eu já morava em São Paulo há quase 20 anos, quer dizer, fazia tempo que não convivia com hábitos sulistas. A gente ali, naquele estupor das pirâmides - Quéops, Quéfren e Miquerinos, toda aquela mística atravessada por séculos de reinado - foram construídas em 2700 aC, imagina! - sem palavras para traduzir o encantamento que se apoderava de nossos corações, eis que ouço um ronco que me remeteu ao paralelo 30, sem escalas. Era o casal de gaúchos que não aguentou esperar chegar ao hotel pra tomar (e roncar!) seu chimarrão. Tinha que ser ali, bem na cara da Esfinge de Gizé! Não decifra, não, habiba. Devora logo, sem nem perguntar!

Um comentário:

  1. Bom dia obrigado pela visita e comentário. Fico feliz em mostrar um trabalho genial e tão maravilhoso como o seu. Já tive oportunidade de receber comentários e conhecer os artistas que eu já divulguei no meu Blogger, espero um dia ter a oportunidade de conhecê-la. Gostaria de lhe convidar a seguir o meu simples trabalho. E espero um dia fazer matérias sobre o Rio Grande do Sul. Como a senhora ficou sabendo do meu Blogger?

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