A gurizada provavelmente não vai saber do
que estou falando, mas, no tempo do disco compacto simples, quando vinham
gravadas só duas músicas, existia o Lado A, onde a gravadora colocava uma
música que queria que a gente transformasse em sucesso, furando de tanto ouvir
e atormentando as rádios pra tocar. E tinha o outro lado - o B - onde gravavam
uma música menos votada, pressupondo que aquela ali nunca ia acontecer. Ou
seja, eles que decidiam o lado nobre pra gente curtir.
Pois eu, enxerida, adorava os Lados B.
Pensava: se eles querem que eu escute só o Lado A, me manejando que nem uma
ovelha bocó, sinal então que ali naquele Lado B deve ter coisa que me interessa
(pelo menos pra mim que queria gostar com meu próprio gosto, não com o alheio).
E assim descobri maravilhas de poesias empoeiradas e melodias lindíssimas
jamais ouvidas por quem caía no conversê monoteísta do Lado A.
Conto isso, porque com gente é igual. As
pessoas escolhem (ou, na divisão de papéis da família, “escolhem” pra elas) um
Lado A pra tornar público, e os outros acreditam que a verdade inteira é aquela
ali. Nem questiono se o tal Lado A que cada um decide mostrar é bom ou ruim. O
que não engulo é a limitação de alguém ter que se aprisionar num único lado.
Pobre, pobre de marré.
É sempre interessante dar uma espiada no
Lado B das pessoas. Pode ter ali um monte de coisas deliciosamente
surpreendentes que a gente nunca saberia se não relevasse o Lado A e fosse mais
fundo. Atrás dum cara carrancudo pode ter um coração de manteiga se defendendo
de ser rejeitado, rejeitando-se ele mesmo antes de levar um “não” pelas fuças.
Atrás de uma mulher muito gargalhante pode ter uma alminha triste que não
recebeu permissão pra ser normal, isto é, pra ser frágil e forte, triste e
alegre, rir e chorar.
Uma vez recebi uma lição inesquecível dum
garçom, num restaurante em São Paulo. Eu estava superestressada, ele trouxe o
prato errado, derrubou os talheres e soltei os cachorros no pobre homem. Em vez
de responder na mesma moeda, ele ficou me olhando, muito calmo, retirou o prato
e falou suavemente, com aquela voz de amansa-louco: - “A sra deve estar com
problemas…Já trago o seu prato certinho.” Fiquei muda e acabei rindo sozinha,
envergonhada da minha reação. Tivesse ele acreditado no meu Lado A e eu nunca
aprenderia mais essa.
Desejo, querido leitor, que você ajuste seus
sentidos com sintonia fina pra descobrir interessantes Lados B por aí. Quiçá
até Lados C, D, E, F, G. Por que não?
( Graça Craidy)
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Patrizia Donatella Streparava escreveu:
ResponderExcluirMais uma pequena joia no blog de Graca, uma gaucha incrível, que me ensinou uma frase fantástica:" Nao me faz te pegar nojo". Ainda bem que a frase não foi dirigida a mim.
Sara Seadi escreveu:
ResponderExcluirTexto imperdível de Graça Craidy!!
Joao Batista Ferreira Filho escreveu:
ResponderExcluirTinha um prograna, na época, chamado: Lado A faixa 1 Voltada ao LP. Era uma forma de enfatizar a preferência deles.
Sara Seadi escreveu:
ResponderExcluirPerfeito, sempre procuro ver o lado B!