O abominável mala-do-buffet.

O MALA DO BUFFET NÃO TEM PRESSA.
Todos que já comeram em buffet - essa predatória invenção urbana que nos faz cometer combinações gastronômicas brutais - certamente já cruzaram com o mala-do-buffet.

De longe você já sabe que é ele. Pelo jeito de caminhar. Lento. Mocorongo. Sem noção de tempo. Caído do caminhão de mudança. O mala-do-buffet é aquele ali, ó, que ocupa o maior m2  por percurso diante do buffet.

O mala-do-buffet não sabe que o horário do meio-dia passa rápido e que todas as pessoas que estão ali - todas, com exceção dos frequentadores da terceira idade que, por sinal, muitas vezes se constituem nos malas-seniors do buffet - têm pressa.

Não. Pro mala-do-buffet, o tempo de relógio é de outro reino que não o terreno, metropolitano, feito dos parcos minutos do intervalo para o almoço.

O mala-do-buffet não está nem aí pra tempo. A única, única, única coisa que interessa ao mala-do-buffet desde o momento em que ele entra na fila do buffet é saber em quantas vezes vai escolher quantas folhinhas de alface roxa, crespa, americana, romana, rúcula. Em quantas idas e voltas do pegador de inox ele vai transportar as rodelinhas de cenoura, uma após a outra, uma após a outra, até se dar por satisfeito.

E entao, quando ele acha que tá, que deu! - e você pode perceber uma espécie de epifania estética em seus olhinhos revirados de mala-do-buffet - ele baixa as pálpebras e pá: troca para o transporte das rodelinhas de beterraba.  E, a seguir, para os quadradinhos de xuxu.

Ops! O mala-do-buffet se arrependeu. Ele quer ainda mais uma rodelinha da cenoura, licença! E lá vem o mala-do-buffet com seu pegador feroz espichando o braço pra trás em uma manobra traiçoeira e mau-caráter de querer retroceder depois que toda a fila atrás dele andou.

E não adianta você rosnar e bufar, olhar pra cima invocando os gárgulas do buffet. Assim como não pensa em você, o mala-do-buffet não vê e também não ouve você. Nem se canse! Como dizia minha amada mãezinha, oferece pra jesus! (embora eu sempre tenha me perguntado mudamente o que o pobre do jesus ia querer com aquela malice?).

Não pense que acabou. Agora que ele encheu o prato com microporçõezonas transportadas como se fosse um formigo de La Fontaine e não uma pessoa, o mala-do-buffet vai colocar o azeite, o vinagre, o balsâmico, o molho. Ah, meudeusinho, o problema do mala-do-buffet é o tanto de escolhas que só um buffet oferece!

O MALA DO BUFFET TEM EPIFANIAS.
Até a porcaria do molho de colocar na porcaria da salada oferece opções e atravanca as rodinhas - aliás, inexistentes! - nos pés do mala-do-buffet. Sim! Este é o problema: cada vez que o mala-do-buffet pode escolher, ele empaca, deliciado com a maravilhosa sensação obama-sammy-davis-jr de Yes-I-Can que só um buffet dá. Vai molho de maionese com cebolinha verde, de oliva com alecrim e pimenta ou quem sabe de mel com castanhas picadas? Tic tac tic tac!

E agora você se prepara mentalmente com o seu plasilzinho de plantão, porque o mala-do-buffet vai se servir da comida propriamente dita. Você sabe que ele vai praticar atrocidades terríveis que ferem os princípios mais básicos da gastronomia.

Não, criatura de deus! Jamais derrame  feijao no molho branco de queijo que cobre a lasanha. Não, ser humano inferior! Peixe não combina com macarrão à bolonhesa. Não, sujeito bagual! Frango xadrez não se come com moqueca à baiana. Eca!

Mas, ainda há outros deslizes abomináveis que só um sujeito ou uma sujeita com DNA de mala-de-buffet é capaz.

Por exemplo, falar pelos cotovelos em cima das comidas contaminando generosamente o buffet com todas as suas bactérias de estimação que ele, ela carregam de carona nos seus verborrágicos perdigotos.

Ou usar o pegador de inox de um prato pra pegar comidas dos outros pratos do buffet, deixando tudo melecado de vários sabores.

Ou, ainda, espichar aquele braço de Os Incríveis pra alcançar aquela comida láaa do outro lado da mesa do buffet, arrastando a manga em tudo o q encontrar pelo caminho.

E pode acrescentar aí passar as mãos nas madeixas e deixa cair longos fios de cabelos que se projetam em câmera lenta e acabam se aninhando mansamente nos recôndito dos pratos do buffet.

Finalmente, comer coisas do buffet ali, mesmo, com as mãos nuas, antes de colocar no prato.

Sem falar no malinha de buffet que mergulha a colher do creme de baunilha ou do sagu inteirinha, com cabo e tudo dentro da tigela, no buffet de sobremesas, e quando você vai pegar pra se servir, nhé! Tudo peguento!

Mais mala que o mala-de-buffet ortodoxo, só o mala-do-buffet heterodoxo: o que vem imediatamente atrás de você na fila e gruda no seu calcanhar pressionando centímetro a centímetro pra você - que ele acha ser um tremendo dum mala-de-buffet - andar mais rápido. Bah! (Graça Craidy)

Ilustrações: Giuseppe Arcimboldo, pintor italiano, século 16.

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14 comentários:

  1. Angelica de Moraes escreveu:

    Rolei de rir, manin! Só tu, guria...

    Abreijos

    Dymo

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  2. Maria Luiza Lucchese escreveu:

    Olá Graça!

    Como sempre, é de uma precisão cirúrgica (aquela esperada pelo paciente, claro) a tua atenta análise do mala-do-buffet!

    E o que dizes daquela maldição barulhenta e à noite medonha e cegamente luminosa do celular é uma praga bíblica dos novos tempos! Outra coisa brilhantemente incomodativa sofri recentemente num ônibus de Santa Maria a Ijuí – um leptop fosforescente nos meus zóiozuvidoezumbigo por 180 km...


    Um bj



    Maria Luiza Lucchese

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  3. Marino Boeira escreveu:

    Como raramente vou buffet, acredito que seja assim como descreves, aliás com muita graça para fazer jus ao nome da autora.

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  4. Jose Carlos Piedade escreveu:

    Graçinha, perfeita a do Mala do Buffet.
    Há tempos atrás eu estava nessa e, na minha frente estava uma mulher com cabelos longos e soltos. Ela, provavelmente orgulhosa dos pelos, os jogava para um lado e outro. E eu atrás levando chicotadas…
    Não aguentei, cutuquei a perua e disse que os cabelos dela eram lindos, bem cuidados…
    Ela se derreteu com o elogio. Aí eu emendei dizendo que os cabelos ficavam melhor na cabeça dela do que dentro do meu prato!
    Funcionou, a danada parou…
    Bjs,
    Zé.

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  5. Ethan escreveu:

    Maninha!

    E agora, como vou ficar naquela fila sem gargalhar quando o fulano aparecer?

    Já passei da idade de apanhar mas, se acontecer, a culpa será sua! Mando a conta do hospital pra onde?

    Beijo e beijo!!!

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  6. Susana Gastal escreveu:

    Gracinha, sua tiete n.1 vais ousar complementar: faltou o mala do bufet com senso estético, que vai criando várias disposições com a comidinhas no prato, ate se dar por satisfeito...Como bom artista, ele é meticuloso, perfeccionista e com todo tempo do mundo para sua arte.
    Eu... tenho gatos.
    bj

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  7. Hermes Aquino escreveu:

    li alto e bom som pra Tenca também morrer de rir. Essa veia humorística tá ótima. Continua garimpando ela que dá ouro. Beijo-beijo. Cheguei a ouvir ele cantarolar entredentes: "Esse mala sou eu".

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  8. Marly Revuelta escreveu:

    que stress! melhor comer sua comidinha sa e zen em casa... mas infelizmente os malas existem em todos paises, nas mais diversas "encadernacoes" Don't worry. Be happy :)
    bj

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  9. Márcio Muller escreveu:

    Texto divertido da minha querida madrinha Graça Craidy em seu Blog. Quem costuma almoçar em Buffets vai adorar !

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  10. Bibiana De Marchi escreveu:

    adorei, chorei de rir aqui

    e lembrei na fila da sorveteria quando vamos comprar uma caixa de sorvete com dois ou no máximo três sabores.

    As vezes tem uns mala de sorveteria que ficam: uma bolinha disso, duas daquilo, mais uma disso, e ficam 10 minutos escolhendo TODOS os sabores, rsrsr

    bjão tia

    Bibi

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  11. Sensacional!! Estou me divertindo com teu blog!! Beijos

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  12. Maria Izabel Martins escreveu:

    rs...perfeito Graça, a gente devia colocar cópia deste texto em todos os buffet (s)...

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  13. Yara Carvalho escreveu:

    Gargalhei com o texto de Graça Craidy.

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  14. ahahahahah....e não é que conseguiste descrever direitinho....inclusive aquele que vem logo atrás de nós e certamente louco de medo que sejamos mais um destes mala-de-buffet. Muito bom!! Valeu guria!

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