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 Cruz credo avemariatesconjuro! Meus pelinhos do cangote se eriçaram 
feito cactus quando, outro dia, fui buscar minhas ecografias de rotina 
num laboratório  bem conceituado aqui em Porto Alegre e dei de cara com 
pequenos porta-retratos cujas fotos eram nada mais nada menos que 
carinhas de fetos fotografados pelo ultrassom. 
Gentezinha
 que ainda nem gente era - pelo menos não oficialmente -  mas a maioria 
certamente já com nome, sobrenome, signo solar e, se bobear, até signo 
ascendente. Dali para o porta-retrato, um zupt. Imagine que bizarro você 
com 30 anos e alguém mostrar o porta-retrato com o seu ultrassom: - olha que gracinha a 
Fulaninha com 6 meses negativos! Negativos, sim. Porque fazer isso é 
praticamente roubar o tempo da pessoínha quando ela ainda nem apertou o 
play do cronômetro. Até onde eu sei ninguém diz a idade acrescentando 9 
meses: tenho X anos e 9 meses. Duvideó!
Aqueles
 porta-retratos com rostinhos de ainda-não me deram um pavor, um não sei
 quê, uma súbita vergonha dos humanos de não se contentarem em 
escarafunchar no outro mundo pra-trasmente, agora deram de publicar, 
explicitar, colocar a fotinho no porta-retrato, na sala. Pra quê? Pra 
todo mundo ficar olhando praquilo e ter que fazer cara de ai-que-amor 
quando na verdade é uma coisa muito da esquisita. Fala sério! 
Você
 já olhou bem para esses ultrassons de nenê? Ninguém enxerga nada ali, a
 não ser o médico ecografista que - todo mundo sabe - é um 
sujeito muito imaginativo, deve treinar uma barbaridade antes de virar 
especialista daquilo. Quem sabe olhando nuvem, analisando mancha de óleo
 no Golfo, lendo borra de café no fundo da xícara? Médico ecografista 
faria o maior sucesso no reino da literatura de ficção ou da pintura 
abstrata. Que Miró que nada! 
Impossível
 não pensar. Aqueles porta-retratos com aqueles projetos de pessoínhas 
guindados a status de adorno nobre indo pra prateleira da sala de 
visitas me conduzem a um inevitável insight pseudokardecista: - isso sim
 que é alma do outro mundo!
Se
 você pensar bem, está tudo dominado. A ciência, então, virou uma 
fofoqueira de marca maior, se metendo em tudo, trazendo à tona mistérios
 sagrados, desbancando dogmas, escancarando DNAs, reinventando ovelhas, 
gentes, células etc.
A coisa deve ter começado com o raio X. Bah! O primeiro esqueletão revelado ao 
mundo é certo que causou um frisson homérico. Eu até hoje tenho uma 
sensação esquisita de descarado voyeurismo, quando vejo esses exames. 
Dia desses fiz um raio X do rosto por causa de uma sinusite renitente e 
pronto. Olha eu lá revelada do jeitinho elegante que vou ficar depois 
que morrer e ser devorada pelos vermes. Brrrrr! Enfim, magra?
Nessa
 dita pós-modernidade é um tal de destripar a vida e escancarar a 
privacidade alheia e a própria, que nem os pobrezinhos que não nasceram 
ainda, escapam. A ficção cinematográfica inclusive já antecipou essa 
cachaça, com a história do DNA. Cada pessoínha só vai nascer se no DNA 
dela estiver tudo 100%. Se os cientistas detectarem que o feto vai virar
 um coisa ruim ou defeituoso ou fraco ou sei eu lá o quê, péeee, apertam
 o botão, polegar pra baixo e adiós, feto querido! 
Lembro
 dum filme de ficção científica onde era proibido ter filho fruto de 
sexo carnal entre homem mulher. Todos eram filhos de fertilização 
in-vitro, escolhidinhos a pinça para fertilizar só o embrião 
do-bom-e-do-melhor. Apenas os pobres, os ignorantes e os rebeldes ainda 
procriavam fazendo amor. E eram rigorosamente desprezados pela sociedade
 que, olhando para os filhos dos transgressores com repulsa e 
desconfiança, lançavam a sentença: - Ah, você é filho do amor? Porque 
legal mesmo era ser filho do laboratório.
Fiquei cá pensando: - nossa, como eu sou antiga! Porta-retrato com foto de feto na sala não é nada. Mais
 esquisito é ver pai indo pro beleléu da pecuária, virando mero fornecedor
 anônimo de sêmen. Mistério da vida? Ara, mas de que mistério me 
hablas?
( Graça Craidy)
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