A voz dublada de Deus.

Cadê a voz de Deus dublada?
Eu juro que me esforcei. Mesmo.

Desde os meus 18 anos, mais ou menos, tenho passado década atrás de década fazendo boa vontade e vistas grossas e ouvidos moucos à falta de imaginação e de preparo e de afetividade dos padres que rezam missas.


Tentei de tudo. Missa de domingo, a mais tradicional. Missa de Santo Antônio, a mais afetiva. Missa de 7º dia, a mais triste. De um mês. Um ano. Missa de casamento, a mais festiva. Missa de primeira sexta-feira do mês, a mais esperançosa. Missa de Natal, de Páscoa, de Ramos. Missa de batizado. Primeira comunhão, crisma, vocações. Não tem jeito.

Os padres estão cada dia mais diazepâmicos, no sentido sedativo da palavra. Não falo apenas da ausência total de talento para predicar seus sermões, conversar tête-a-tête com seus fiéis que foram ali buscar uma luz, um conselho, uma sabedoria, uma voz de Deus dublada.

Nada.

Seus sotaques aborrecidos são muitos. Ou o velho italiano das colônias em cujos seminários os filhos de imigrantes eram matriculados sob a égide de vocações não tão verdadeiras para obter instrução de qualidade sem ônus financeiro - sem falar na onipotência de algumas mammas que queriam para sua família um intermediador particular ao paraíso.  Ou o alemão, dos poucos pastores arrebatados das lides de Lutero da igreja evangélica. Ou - mais modernamente falando - o polonês, que entrou na moda com a ascensão de João Paulo II.

Todos eles emitem sons com o mesmo tom monocórdio, cansativo e anestésico que se sobrepõe soberano a qualquer coisa que seja dita, do velho ao mais novo versículo do novo testamento, induzindo fatalmente ao bocejo - principalmente mental! -,  ao pensamento fugidio e à impaciente espiadela no relógio.

Se o fiel que leu o evangelho contou que naquele tempo patati patatá patati patatá, por que é que o padre, quando vai fazer o sermão não parte do pressusposto, óbvio, aliás,  de que sim, nós todos já ouvimos o patati patatá, há poucos minutos?

10 X zero nos intelectuaizzzzz.
Não. Ele não acredita que a gente ouviu. E conta tudo de novo, com as mesmas palavras, variando aqui e ali um há-por-tem. Em vez de já partir pros finalmente da interpretação ou da inspiração para nos contar o que aquele patati patata significa para nossa vida mortal e imortal, como pode nos ajudar a sermos mais felizes, mais bacanas, mais alguma coisa.

Não. Isso jamais acontece. Ainda que intimamente a gente vá ouvindo ele falar e fique sublinhando cada fim de frase dele com mudas interrogações: E...? E...? E...? Com respostas que não chegam nunca, porque depois que o padre repete todo o evangelho que - atente-se again! - já foi lido, ele fala uma ou outra palavrinha pífia, recolhe os panos de sua batina e volta pro altar.

Minto. Tem vezes que o padre encarna um passador de pito (deve ser daí que vem a expressão "passar sermão") e começa a criticar o fiel presente e o ausente com tom de apocalipse, fazendo o povo se sentir com 5 anos de idade e as calças borradas. Sinceramente, não sei o que me irrita e entedia mais, se o padre redundante ou se o justiceiro de araque.

Fico pensando: me poupe! Não vim aqui pra ouvir pito. Coisa mais anacrônica, padre passando pito! Com o telhado de vidro que anda a igreja católica, mais devia o padre olhar pro seu próprio rabo - com o perdão da analogia! - antes de jogar pedra no telhado alheio.

Nem o Papa Bento aguentou, aliás, tamanha a sujeirama com que se deparou nos bastidores vaticanescos. Mas, enfim, está mais que na hora de os padres pararem de capinar sentados e mudarem seus sermões para algo interessante, pertinente, cativante e - eu ousaria sonhar - arrebatador.

Ou eles tratam as pessoas que vão à missa com mais afeto e sabedoria ou vão perder a platéia para os pastores histéricos daquelas abomináveis igrejas de televisão. Em matéria de sedução, lamento informar,  os espetaculosos pelo-duro dão de dez a zero nos nossos tedesco-italianos metidos a intelectuaizzzzzz.

(Graça Craidy)

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O abominável mala-do-buffet.

O MALA DO BUFFET NÃO TEM PRESSA.
Todos que já comeram em buffet - essa predatória invenção urbana que nos faz cometer combinações gastronômicas brutais - certamente já cruzaram com o mala-do-buffet.

De longe você já sabe que é ele. Pelo jeito de caminhar. Lento. Mocorongo. Sem noção de tempo. Caído do caminhão de mudança. O mala-do-buffet é aquele ali, ó, que ocupa o maior m2  por percurso diante do buffet.

O mala-do-buffet não sabe que o horário do meio-dia passa rápido e que todas as pessoas que estão ali - todas, com exceção dos frequentadores da terceira idade que, por sinal, muitas vezes se constituem nos malas-seniors do buffet - têm pressa.

Não. Pro mala-do-buffet, o tempo de relógio é de outro reino que não o terreno, metropolitano, feito dos parcos minutos do intervalo para o almoço.

O mala-do-buffet não está nem aí pra tempo. A única, única, única coisa que interessa ao mala-do-buffet desde o momento em que ele entra na fila do buffet é saber em quantas vezes vai escolher quantas folhinhas de alface roxa, crespa, americana, romana, rúcula. Em quantas idas e voltas do pegador de inox ele vai transportar as rodelinhas de cenoura, uma após a outra, uma após a outra, até se dar por satisfeito.

E entao, quando ele acha que tá, que deu! - e você pode perceber uma espécie de epifania estética em seus olhinhos revirados de mala-do-buffet - ele baixa as pálpebras e pá: troca para o transporte das rodelinhas de beterraba.  E, a seguir, para os quadradinhos de xuxu.

Ops! O mala-do-buffet se arrependeu. Ele quer ainda mais uma rodelinha da cenoura, licença! E lá vem o mala-do-buffet com seu pegador feroz espichando o braço pra trás em uma manobra traiçoeira e mau-caráter de querer retroceder depois que toda a fila atrás dele andou.

E não adianta você rosnar e bufar, olhar pra cima invocando os gárgulas do buffet. Assim como não pensa em você, o mala-do-buffet não vê e também não ouve você. Nem se canse! Como dizia minha amada mãezinha, oferece pra jesus! (embora eu sempre tenha me perguntado mudamente o que o pobre do jesus ia querer com aquela malice?).

Não pense que acabou. Agora que ele encheu o prato com microporçõezonas transportadas como se fosse um formigo de La Fontaine e não uma pessoa, o mala-do-buffet vai colocar o azeite, o vinagre, o balsâmico, o molho. Ah, meudeusinho, o problema do mala-do-buffet é o tanto de escolhas que só um buffet oferece!

O MALA DO BUFFET TEM EPIFANIAS.
Até a porcaria do molho de colocar na porcaria da salada oferece opções e atravanca as rodinhas - aliás, inexistentes! - nos pés do mala-do-buffet. Sim! Este é o problema: cada vez que o mala-do-buffet pode escolher, ele empaca, deliciado com a maravilhosa sensação obama-sammy-davis-jr de Yes-I-Can que só um buffet dá. Vai molho de maionese com cebolinha verde, de oliva com alecrim e pimenta ou quem sabe de mel com castanhas picadas? Tic tac tic tac!

E agora você se prepara mentalmente com o seu plasilzinho de plantão, porque o mala-do-buffet vai se servir da comida propriamente dita. Você sabe que ele vai praticar atrocidades terríveis que ferem os princípios mais básicos da gastronomia.

Não, criatura de deus! Jamais derrame  feijao no molho branco de queijo que cobre a lasanha. Não, ser humano inferior! Peixe não combina com macarrão à bolonhesa. Não, sujeito bagual! Frango xadrez não se come com moqueca à baiana. Eca!

Mas, ainda há outros deslizes abomináveis que só um sujeito ou uma sujeita com DNA de mala-de-buffet é capaz.

Por exemplo, falar pelos cotovelos em cima das comidas contaminando generosamente o buffet com todas as suas bactérias de estimação que ele, ela carregam de carona nos seus verborrágicos perdigotos.

Ou usar o pegador de inox de um prato pra pegar comidas dos outros pratos do buffet, deixando tudo melecado de vários sabores.

Ou, ainda, espichar aquele braço de Os Incríveis pra alcançar aquela comida láaa do outro lado da mesa do buffet, arrastando a manga em tudo o q encontrar pelo caminho.

E pode acrescentar aí passar as mãos nas madeixas e deixa cair longos fios de cabelos que se projetam em câmera lenta e acabam se aninhando mansamente nos recôndito dos pratos do buffet.

Finalmente, comer coisas do buffet ali, mesmo, com as mãos nuas, antes de colocar no prato.

Sem falar no malinha de buffet que mergulha a colher do creme de baunilha ou do sagu inteirinha, com cabo e tudo dentro da tigela, no buffet de sobremesas, e quando você vai pegar pra se servir, nhé! Tudo peguento!

Mais mala que o mala-de-buffet ortodoxo, só o mala-do-buffet heterodoxo: o que vem imediatamente atrás de você na fila e gruda no seu calcanhar pressionando centímetro a centímetro pra você - que ele acha ser um tremendo dum mala-de-buffet - andar mais rápido. Bah! (Graça Craidy)

Ilustrações: Giuseppe Arcimboldo, pintor italiano, século 16.

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